No meu celular, possuo um aplicativo que registra o tempo gasto em cada função do dispositivo. Ao iniciar a redação deste texto, percebi que já se passaram duas horas desde que acordei e o aplicativo indicava que utilizei o celular por 55 minutos. Essa constatação me fez lembrar de um teste que realizei anteriormente sobre o vício em internet, o qual compartilho a seguir.

Ao realizar este teste, obtive uma pontuação que indica um nível moderado de vício em relação à internet. Embora esses resultados tenham chamado minha atenção para meus hábitos, é importante ressaltar que o tempo médio diário que passo utilizando meu celular está dentro da média observada entre os brasileiros.
Ano | Quantidade média de horas por dia no celular* |
2019 | 4,1 horas |
2020 | 5,2 horas |
2021 | 5,4 horas |
O estudo considera somente celulares com sistema operacional Android. |
Porém, determinar se eu ou você somos realmente viciados em internet não é uma tarefa simples**. A resposta envolve uma análise complexa. O vício comportamental é identificado por meio de uma combinação de seis elementos fundamentais:
>>Metas atraentes, que estão ligeiramente além do alcance atual da pessoa.
>>Feedback positivo irresistível e imprevisível, que recompensa o comportamento viciante.
>>Sensação de progresso e melhoria gradual ao longo do tempo.
>>Tarefas que se tornam gradualmente mais desafiadoras à medida que a habilidade da pessoa aumenta.
>>Tensões não resolvidas ou problemas que exigem uma solução.
>>Ligações sociais fortes, que podem fornecer apoio, incentivo ou reforço positivo relacionado ao comportamento viciante.
O fato de uma pessoa realizar excessos no uso da internet não é necessariamente considerado um vício. Entretanto, certos fatores como a predisposição individual podem transformar esses hábitos problemáticos em um caminho para situações mais complexas que podem resultar em dependência digital.
A dependência não está necessariamente associada ao uso excessivo dos aparelhos digitais, mas à necessidade sentida pelo usuário para utilizá-los com frequência.
Estudos têm revelado que as redes sociais utilizam mecanismos para promover a liberação do neurotransmissor dopamina, relacionado à sensação de prazer. Este é o mesmo mecanismo que provoca as mesmas reações ligadas ao uso de substâncias psicoativas.
Falar de si gera prazer

Ao longo de milhares de anos de evolução humana, não havia exposição à luz azul durante a noite. Essa cor de luz é uma característica exclusiva do dia, indicando a chegada da manhã e o momento de despertar. Por outro lado, as velas e as fogueiras emitem uma luz amarelo avermelhada que não interfere no cérebro humano, mas sinalizam a hora de dormir.
No cérebro humano, a glândula pineal desempenha um papel crucial na produção do hormônio melatonina, responsável por regular o sono. A produção de melatonina é influenciada pela luz, sendo que sua maior produção ocorre durante a noite. Agora, imagine como nosso cérebro reage ao receber informações sobre a luz azul emitida pelas telas de dispositivos eletrônicos durante a noite.
Essa exposição envia sinais ao cérebro de que o dia está começando quando deveríamos estar nos preparando para dormir, resultando na redução da produção de melatonina pela glândula pineal. Consequentemente, pessoas com o hábito de ficar conectadas aos seus celulares antes de dormir costumam reclamar de sono inadequado e cansaço ao acordar.

A fim de evitar situações semelhantes, é importante fazer uso responsável das tecnologias digitais, avaliando o tempo que passamos conectados e nossas razões para isso. Além disso, é fundamental que os professores sejam capazes de orientar os estudantes a adotar a mesma abordagem consciente.
Tecnologia e sala de aula
A tecnologia em si é neutra. Por si só, não produz resultados ou benefícios. No entanto, quando aplicada em diferentes áreas, surgem diversas oportunidades de melhoria. Na área da saúde, por exemplo, a tecnologia possibilita a criação de membros robóticos controlados pelo encéfalo. Na sociedade, a tecnologia pode criar mundos virtuais atrativos para empresas que buscam promover suas marcas, ou desenvolver biomateriais como sacos plásticos que se dissolvem em água, contribuindo para o cuidado com o meio ambiente.
A tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas seu impacto depende de como é utilizada. Um exemplo disso é a internet, que desempenha um papel fundamental na nossa sociedade. No entanto, quando usada de forma indiscriminada, sem critérios, apenas para satisfazer prazeres pessoais, podem surgir problemas.
Ao conversar com professores de diferentes regiões do Brasil, fica evidente a abundante informações que os estudantes trazem para a sala de aula, seja em escolas rurais ou urbanas. No entanto, muitas dessas informações, adquiridas principalmente pela internet, chegam descontextualizadas, distorcidas e contraditórias, dificultando a construção do conhecimento.
Informação não é sinônimo de conhecimento.
Essa realidade altera o papel do professor e dos materiais didáticos como fontes de informação e conhecimento, algo que foi predominante por muito tempo nas salas de aula. Atualmente, cabe aos professores auxiliar os estudantes a transformar essas informações em conhecimento, ajudando-os a filtrar, relacionar e assimilar o que é relevante para a construção de seu próprio conhecimento, com base em processos cognitivos significativos.
O livro didático desempenha um papel importante ao auxiliar o professor nessa tarefa, fornecendo recursos para analisar, organizar, atribuir significado e, por fim, letrar cientificamente o estudante. Além disso, um material didático contemporâneo deve proporcionar momentos em que as habilidades socioemocionais possam ser efetivamente aplicadas, pois quanto mais informação sem significado tem o estudante, menos conectado ele está consigo mesmo, com os outros e com a sociedade à qual pertence. Diante desse cenário, é essencial que o professor saiba acolher e orientar as angústias e dúvidas comuns na adolescência, que podem ser ampliadas pelo uso indevido da tecnologia.

Ao produzir livros de Ciências e Biologia, busco apresentar oportunidades reais para que essas situações ocorram, seja por meio de temas que estimulem a reflexão ou atividades orais que facilitem a identificação de conhecimentos prévios e revelem as necessidades de intervenção do professor à medida que são identificadas as lacunas de compreensão dos estudantes sobre determinado assunto.
Por esses motivos, é possível afirmar que, em Ciências, a contemporaneidade na Educação não é apenas a tecnologia, mas sim o letramento científico, um processo em que os estudantes adquirem ferramentas para analisar os conhecimentos científicos apresentados, questioná-los e utilizá-los como instrumento de avaliação de situações vivenciadas fora da escola. Isso é fundamental, pois a Ciência e a Tecnologia estão presentes em diversos aspectos da vida, trazendo avanços, facilidades, mas também novos desafios ambientais, sociais e econômicos para o nosso cotidiano.
*Fonte: The State of Mobile 2021. App Annie, 2021.
**Texto baseado em: Irresistível. Porque você é viciado em tecnologia e como lidar com ela. Adam Alter. Trad. Cássio de Arantes. Leite. 1ª ed. RJ. Objetiva. 2018.