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Para o professor Profissão Professor: As leituras que nos tecem professor

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 12min 6seg

22 de julho de 2020

Para pensar em leitura.

Ser professor é ser tecido por muitas leituras: as leituras dos muitos cursos que nos formam, as leituras literárias, as leituras que compartilhamos com alunos, as leituras para o nosso deleite, a leitura para atuar no mundo e a leitura para compreender o mundo, as leituras novas e as que marcaram uma época, não importa, todos os textos tecerão o professor que seremos. Todavia, mais do que falar dos livros que lemos, é preciso falar sobre como lemos, por esse motivo o presente artigo trará à discussão a importância de se refletir sobre um currículo de leitura nos cursos de licenciatura.

Muitos jovens seguem suas vidas sem se aperceberem que não compreendem o mundo que o cercam, pois não o leem, não o interpretam, ficam na superfície dos textos, ficam ao redor das mensagens. Muitos param seus estudos, outros, no entanto, chegam à universidade carregando dificuldades de leitura alarmantes. Schwartz (2015) cita em seu artigo que 18% dos alunos universitários apresentam nível básico de alfabetização, o que representa que leem textos de baixa complexidade e resolvem problemas simples.

Percebemos que existe na sociedade um círculo vicioso: alunos que não desenvolveram habilidades leitoras chegam à universidade, optam por cursos de licenciatura, não desenvolvem a leitura em cursos voltados a conteúdos e se formam professores que vão trabalhar ‘leitura’, alunos que não desenvolveram habilidades leitoras chegam à universidade… Nesse contexto, somos todos, universidades e escolas, responsáveis por não desenvolvermos alunos que saibam ler o mundo, que saibam questioná-lo e que saibam, a partir de múltiplas leituras, de múltiplas interpretações, propor soluções.

A leitura traz novos caminhos, sugere novos padrões, tira-nos do lugar-comum. Mas, para isso, é preciso conhecer novos mundos por meio de leitura de diversos campos, o da literatura, o do jornalismo, o da ciência. A escola é quem abrirá o caminho para essas leituras por meio do ensino de habilidades/estratégias leitoras, mas, para isso, é preciso que o professor tenha sido formado para desenvolver esse conteúdo, o que cabe à universidade. Não traremos aqui a justificativa romântica do gosto pela leitura, mas do conhecimento da leitura. Trabalhá-la como objeto de conhecimento, como ciência e, para isso, estudá-la, refleti-la e colocá-la em prática de forma significada.

Como descrito, na educação, o percurso de ensino da leitura, compreendida neste artigo como uma competência, não como alfabetização apenas, como letramento e, portanto, como desenvolvimento de habilidades, é perverso. O que se vê é uma séria falta de política para a leitura nos currículos dos cursos de licenciatura. Assim, não desenvolvida como objeto de conhecimento, mas como um conhecimento adquirido pela alfabetização, a leitura passa a ser foco em algumas disciplinas do curso de Pedagogia para os anos iniciais e não como objeto de ensino de todas as licenciaturas.

Esse pensamento gera, nas escolas de anos iniciais, a ideia de que a responsabilidade por ensinar a ler é dos 1º e 2º anos do Fundamental e do componente Língua Portuguesa, no Fundamental 2. Ocorre que, mesmo no curso de língua materna, não é desenvolvida uma pedagogia de leitura. Isso faz com que os professores formados ensinem literatura, mas não desenvolvam leitura, ou seja, não desenvolvem, não ensinam habilidades e estratégias. Urge, portanto, que se desenvolva uma pedagogia da leitura nos currículos das licenciaturas, pois serão os alunos formados nesses cursos que formarão os alunos/cidadãos leitores de uma sociedade letrada.

Uma pedagogia da leitura prevê uma preparação teórico-prática em matéria de leitura não apenas em um curso ou em dois, como em Letras e Pedagogia, mas em todos os cursos que formam professores, concebendo a escola como o lugar de ensino de habilidades e de estratégias leitoras. Carvalho (2002) defende que as universidades, por exemplo, além de pensarem em um currículo de ensino de leitura, devem também pensar em práticas de leitura, como a instalação de salas de leitura, a realização de seminários e de encontros acadêmicos para discussão da leitura nos cursos universitários com a participação de docentes, estudantes e bibliotecários.

Além disso, a autora ainda chama a atenção para um programa de expansão e de atualização das bibliotecas e dos laboratórios de informática que deveriam ficar abertos o dia inteiro, além de finais de semana, para atender os alunos que trabalham, precisam estudar e não têm condições de comprar seus livros.

A didatização da leitura nas universidades – Marlene Carvalho

Por leitura, compreendemos o processo de interação entre o leitor (que mobiliza seus conhecimentos, ativando seus saberes em relação ao autor, ao contexto, ao gênero, ao vocabulário etc.), o texto (que tem marcas e pistas, deixadas em sua superfície) e o leitor (que prevendo o leitor, faz escolhas que guiarão a leitura e apontarão para o sentido que construiu). Nessa concepção interativa, o ensino de leitura não pode se oralizar o texto, isto é, ler em voz alta e responder a um questionário sobre o texto, no qual, muitas vezes, são cobradas informações que estão facilmente identificadas na superfície. Também não se ensina leitura quando se lê em voz alta apenas se repetindo o que está escrito. Também não se ensina leitura quando alguém que deveria ser o mediador, aquele que ensina, apresenta a sua compreensão do texto enquanto os demais ouvem sem que saibam, porque não foi apontado, o que autorizou o leitor a construir os sentidos apresentados.

Essas práticas a que estamos tão habituados na educação são práticas que didatizam a leitura, mas não a ensinam. Isso ocorre na ânsia de que seja realizado o ensino desse objeto. Muitos educadores pensam, de fato, que estão ensinando a ler quando programam suas aulas para ler em voz alta e responder a questionários sobre o texto. Prática comum a muitas escolas, públicas ou particulares, esse movimento constata que há, sim, leitura na escola, mas nos faz questionar: quais as condições de produção de sentido do texto em situações como essas?

Comecemos pela análise de um problema central: o que lemos? Há um mito nas escolas que ainda persiste: o de que lemos textos escritos. Essa ideia contribui para uma leitura equivocada de que a escrita é o modo de linguagem mais oficial, enquanto as demais modalidades são ‘menores’. O primeiro passo, portanto, é acabar com essa ideia: lemos os textos de todas as semioses, de todas as modalidades de linguagens, sendo assim, lemos os textos multimodais/multissemióticos: a foto, a charge, a disposição das mesas na sala de aula, a roupa do professor, o rosto do aluno, o céu, as cores do cartaz, o tipo de letra do anúncio etc. Segundo Silva (1998):

“temos de combater a sacralização dos textos e a vida bancária (reprodutivista), que (…) estão presentes nessa área. A grande maioria dos livros didáticos tende a incentivar o culto da letra imprensa. Dessa forma, os textos apresentados transformam-se num mundo à parte – algo divino e sagrado – , estranho às experiências e necessidades dos educandos” (p. 27)

Outro ponto de didatização: é a leitura pela leitura. Por que o professor universitário pediu a leitura? Qual o objetivo de ler o texto? Quando em sala de aula nas turmas de ensino básico, o professor pede para ler um texto para responder ao questionário sem que o assunto do texto, o autor ou o gênero se relacione a nenhum aspecto objetivo, a leitura será feita pela leitura, o ato de ler foi dado sem significado, virou exercício de escola, prática didática que não ensina. Por que o aluno lê o artigo na universidade? Para ter nota, no mesmo movimento que o aluno do 9º ano lê o conto para responder ao questionário do livro didático e ficar quieto: a leitura não significou, não se criticou ou pensou o mundo a partir do que foi lido. Nesse sentido, Silva (1998) chama a atenção para:

“a diferenciação entre “ledores”, formados pela escola, e “leitores”, tão necessários à sociedade brasileira.” (SILVA, 1998, p.11)

Silva aponta ainda para a formação continuada de leitores na escola. Segundo ele,

“não se forma um leitor com uma ou duas cirandas e nem com uma ou duas sacolas de livros, se as condições sociais e escolares, subjacentes à leitura, não forem consideradas e transformadas.”(SILVA, 1998, 22)

O que está claro em sua observação é que a universidade precisa urgentemente pensar em uma pedagogia da leitura para que esse objeto de ensino tenha frutos e tenhamos, enfim, alunos leitores de fato.

Por fim, e não menos prejudicial, existe a ideia de que, uma vez alfabetizado, o cidadão já é um leitor ou ainda já nasceu leitor ou, pior, o ano anterior ensinou a ler. Todas essas máximas tão presentes nas escolas não permitem que a leitura seja ensinada e, assim, a aprendizagem de habilidades/estratégias de leitura seria algo mágico que não seria nem estudado nos cursos de licenciatura. É mais do que nunca necessário que esse círculo vicioso seja rompido e que a leitura seja vista como um objeto de ensino, como nos propõe a BNCC (2018):

“O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades. Leitura no contexto da BNCC é tomada em um sentido mais amplo, dizendo respeito não somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico, diagrama) ou em movimento (filmes, vídeos etc.) e ao som (música), que acompanha e cossignifica em muitos gêneros digitais.” (2018, pp.70 e 71)

A ideia de interação e do que precisa ser feito chegou aos documentos. No entanto, essa discussão precisa ser levada às salas de aula, às formações de professores, para que mais do que uma orientação, seja uma prática que forme alunos que chegarão à universidade lendo de forma mais proficiente para que se formem e levem para a sala de aula, ações cada vez mais efetivas para a mudança de uma sociedade da verdade: uma sociedade que lê e que transforma o mundo.
É fundamental ressaltar, entretanto, que o que se propõe ao não didatizar a leitura não é um método de ensino, mas reflexões acerca de como essa competência tem sido trabalhada nas escolas e levado às universidades alunos que não leem. Silva (1998) chama de o ‘pacto da mentira’ esse modelo de aula descrito acima no qual os professores fingem que ensinaram e os alunos fingem que aprenderam a ler. Uma sociedade de ‘falsos leitores’ tem resultados trágicos.

Por que devemos ensinar estratégias de leitura – Isabel Solé

Quando um leitor proficiente se depara com uma dificuldade de leitura, para a leitura e busca um meio de resolver o problema. Esse meio que ele busca pode ser: abrir um novo texto, relacionar as palavras entre si, buscar informações do autor, compreender a ideia sobre a qual o texto trata. Enfim, busca uma estratégia de leitura praticada em outras situações de leitura que ele vivenciou. Para que essa experiência seja resgatada em um momento de dificuldade, ela precisa ter sido vivida de forma significativa. Pesquisa de Carvalho (2002) mostra, por exemplo, que alunas universitárias com dificuldades de leitura tendiam a reler o texto em voz alta, estratégia sem valor científico para compreensão, perdendo tempo e sentindo-se incompetentes. Isso mostrava que essas alunas não tinham vivido uma situação de leitura significativa em suas formações.

Entrar em estado estratégico durante a leitura, como afirma SOLÉ (1998), é fundamental para que o leitor busque compreender, resolver ambiguidades e esteja plenamente consciente do que precisa para atingir seu objetivo leitor. Isso, entretanto, precisa ser ensinado para que formemos leitores com autonomia, capazes de compreender textos de diferentes campos e de diferentes linguagens. Cabe à universidade e à escola, portanto, ter um currículo que preveja o que e quando será ensinado a respeito do objeto de conhecimento.

Com leitura, no entanto, não existe essa objetividade do que e de quando ensinar. Isso porque existem alguns mitos em relação à leitura que precisam urgentemente ser desfeitos: ler é genético, é apenas gosto, é mágico, uma hora, com um livro a pessoa começa a ler. Para que alguém aprenda a ler, é preciso que se ensine, que se desenvolvam estratégias e habilidades de leitura para (re)construir o sentido do texto, seja ele em que modalidade de linguagem estiver. Sem que esse tipo de trabalho seja didatizado ou vire uma camisa-de-força.

O ensino de estratégias prevê o ensino de procedimentos de ordem elevada que levarão o leitor à compreensão do texto. É urgente advogar por uma pedagogia da leitura nas licenciaturas, é preciso ensinar a ler, discutir leituras e promover discussões. Só assim, poderemos pensar na leitura para construção de novas aprendizagens, na leitura que promoverá uma sociedade mais justa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017.
CARVALHO, Marlene. A leitura dos futuros professores: por uma pedagogia da leitura no ensino superior. Teias: Rio de Janeiro, ano 3, n5, jan/jun 2002.
FARIAS, Sandra A. & BORTOLANZA, Ana Maria E. O papel da leitura na formação do professor: concepções, práticas e perspectivas. Poíesis Pedagógica – Vol. 10, n2, agosto/dezembro, 2002 – pp. 32 – 46.
SILVA, Ezequiel T. da. Elementos de pedagogia da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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