“Para que chorar o que passou?
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações“
Luzes da Ribalta – Charles Chaplin
O choro é o nosso ato de estreia no palco da vida. Este primeiro ato de manifestação para o mundo tem, no princípio, características ligadas a aspectos fisiológicos: resposta ao ar que entra em nossos pulmões, no primeiro momento e, em seguida, o apelo em busca de alimento.
Em poucos meses, porém, aprendemos a refinar este chamado instintivo, adicionando pitadas de atuação artística: o choro de fome se transforma algumas vezes naquela birra que busca um colo carinhoso. Da mesma forma, os sorrisos, o piscar de olhos, os balbucios e, um pouco mais tarde, as palminhas e dancinhas que performamos se tornam pequenos shows na turnê exclusiva para pais e familiares.
O segundo ato de nossa apresentação se dá quando, ainda na mais tenra idade, pisamos pela primeira vez no tablado da escola, como estudantes. Neste local mágico, nossa atuação será desenvolvida e acrescida dos ensinamentos de nossos professores e professoras. Teremos papéis definidos, marcações precisas de onde estar, o quê e quando falar. Aos poucos, porém, nos é dada a autonomia, tão necessária para deixar aflorar em nós o papel que estamos destinados a cumprir na vida.
No terceiro ato, colocamos à prova os ensinamentos adquiridos na escola. Encaramos a vida adulta e a carreira profissional. Nelas, iremos aprimorar os papéis que nos foram dados através dos caminhos que trilhamos em nossas vidas: pais, mães, médicos, operários, bombeiros… e também professores. Pois muitos escolherão este palco escolar como cenário de sua atuação principal.
Finalmente, entramos no último ato de nossa apresentação. É quando olhamos para trás e vemos todas as falas, os improvisos, os erros e acertos de uma vida dedicada a aprender e ensinar. Neste momento, colhemos os aplausos de gratidão pela nobre missão cumprida. Muitas vezes estes aplausos são silenciosos, na forma de um ex-aluno que se destaca em sua área e tem projeção nacional ou internacional. Outras vezes, de forma explícita – quando aquela moça desconhecida, com sua filha, te para na rua, te abraça e diz, emocionada: “Filha, esta é a professora Maria! Ela é a melhor professora de Português do MUNDO!”
Professores são atores que se apresentam todos os dias. Mesclam os textos estudados (na forma dos materiais didáticos) com os cacos e improvisos necessários para tornar cada aula uma experiência única. Não existe uma apresentação igual à outra. O público é exigente, questionador e, afinal de contas, está também aprendendo com estes atores que ali performam.
Toda essa alegoria que aproximou o Teatro do fazer educativo da Sala de Aula tem sentido e se justifica. Vamos demonstrar um pouco melhor isso tudo.
O primeiro ato, aquele do choro, se compara ao exercício cotidiano e disciplinado daqueles que querem obter os seus objetivos. Não existe interpretação precisa e convincente se não houver treino e disciplina. Como um atleta, o ator precisa ser determinado e disciplinado para obter os melhores resultados. O “talento” é decorrente de muita dedicação e prática cotidiana.
O segundo ato, associado ao momento da apresentação em cena aberta, propõe ao ator o grande desafio de superação de seus medos e inseguranças na hora de se expor publicamente. Toda a insegurança e medo se convertem em uma energia quase que sobrenatural que o impele à aceitação do desafio proposto. E então o ator se joga, conscientemente, nos braços de sua plateia. É o momento do seu debut, da sua iniciação e de uma enorme quebra de paradigmas – o de assumir riscos e responsabilidades por seus atos.
O terceiro ato representa a maturidade profissional e a consciência de seu papel social – o que, porque e para que estou aqui. E, certamente, não é um momento de estagnação, mas sim de aperfeiçoamento e de aprofundamento e ampliação dos conhecimentos. Para atores, é momento de conhecer mais sobre a obra de Constantin Stanislavski, que foi um ator, diretor, pedagogo e escritor russo. Ele privilegiava a memória emotiva, evocando-a de forma bastante técnica. E isso fazia a fama e sucesso de seus atores. Por outro lado, tínhamos Bertolt Brecht, um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Ao final dos anos 1920, Brecht desenvolve o seu “Teatro Épico”. O teatro épico consiste em uma forma de composição teatral que polemiza, ou seja, coloca a dialética em cena. Dialética é um método de diálogo cujo foco é a contraposição e contradição de ideias que levam a outras ideias. Técnica e cotidiano, fazer e refletir, yin e yang, um e zero, Stanislavski e Brecht. É a práxis* cotidiana inspirada no Teatro, que nos coloca em situações de transformações permanentes.
E é a partir daí que se confundem os conceitos de Profissional e Amador – o Profissional “professa” um fazer publicamente. O termo professar adquire o sentido de confessar, declarar, prometer, jurar, segundo alguns dicionários. Já o Amador simplesmente ama aquilo que faz, sem criar maiores entraves para manifestar esse puro sentimento. Então fica aqui nossa dica: seja um Profissional Amador!
No final das contas, o que é importante? Que possamos viver intensamente cada dia que nos é dado de presente, neste palco maravilhoso que é a vida. E que busquemos, nele, fazer sempre a melhor apresentação possível. Pois, como diz a frase atribuída ao gênio Charlie Chaplin:
“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça acabe sem aplausos.“
Antônio Galdeano é mestre em Políticas Públicas da Educação e licenciado em Artes Cênicas. Entre 1989 e 1994, atuou no universo teatral e dirigiu espetáculos como Peer Gynt, com Dan Stulbach no elenco, e Namoro, com Patrícia de Sabrit e Vanessa Goulart, além do premiado infantil Enq, o Gnomo, entre outros. Hoje é assessor educacional, palestrante e Consultor Educacional da rede de escolas confessionais da FTD Educação.
Paulo Lima é Consultor Educacional Confessional da FTD. Biólogo de formação, é também escritor, palestrante e, atualmente, faz mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio Grande.
*Práxis é a união dialética entre teoria e prática.