Entrevistando

No mês do folclore, uma entrevista com uma especialista no assunto.

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 6min 51seg

11 de agosto de 2022

“Meu interesse pelo folclore vai morrer junto comigo.” 

Januária Cristina Alves 

Januária Cristina Alves, autora do “Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro” relembra a infância, fala de projetos e dá dicas de como trabalhar o tema na sala de aula. 

Responsável por registrar em sua obra personagens folclóricos de todas as regiões do país, Januária bateu um papo com a gente sobre a importância do tema em sua vida e para a manutenção da cultura brasileira. 
 

A temática do folclore se destaca entre suas obras. De onde veio a vontade de falar sobre este assunto? Tem a ver com a sua infância? 

Sim, tem a ver com a minha origem. Eu sou filha de pai e mãe pernambucanos, toda a minha ancestralidade é nordestina, então, eu cresci envolta por essas histórias de tradição oral. Meu pai e minha mãe eram excelentes contadores de histórias e, apesar de eu ter nascido aqui em São Paulo, dos 7 aos 21 anos eu vivi em Pernambuco, entre Garanhuns e Recife. Pernambuco é o estado que tradicionalmente valoriza muito a cultura popular e suas tradições e eu aprendi a me encantar com essas histórias. Fui coletando e registrando-as ao longo da minha vida por gosto pessoal. 
 

Seus livros, além de trazerem personagens folclóricos clássicos, abordam outros menos conhecidos. Como foi esta pesquisa? 

No “Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro”, temos 141 catalogados e a ideia foi abordar os mais conhecidos e também apresentar os que são menos populares. Inclusive, houve a necessidade de fazer o registro de muitos desses personagens. Por não circularem tanto, e pelas pessoas não os conhecerem, poderiam acabar se perdendo. Houve, também, a preocupação de incluir seres folclóricos do Brasil inteiro, de diferentes origens. Nesse sentido, temos os orientais, os de origem africana e europeia, exatamente para contemplar o máximo de diversidade, de todas as regiões do Brasil. 
 

De todos os seres fantásticos, qual mais chamou a sua atenção durante a pesquisa? Há algum que você desconhecia completamente? 

Muitos! Muitos mesmo! A gente selecionou 141 para entrarem no livro, mas nossa pesquisa incluía o dobro disso. Nosso folclore é imenso, não conhecemos nada. O brasileiro não tem ideia da riqueza dessas histórias e desse patrimônio imaterial. Muitos eu realmente não conhecia. Tem um personagem do Rio Grande do Sul, os Zoris, que eu gosto muito e que eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Lá no nordeste mesmo, o Lucas da Feira, que na verdade foi um cangaceiro que realmente existiu, mas a história dele foi contada e recontada e aumentada e eu não o conhecia. Foi uma pesquisa que descortinou para mim um universo incrível, maravilhoso. 

A forma como o folclore é trabalhado na sala de aula é satisfatória? No que podemos melhorar? 

Eu acho sempre que o professor tem uma superboa intenção, existe um projeto pedagógico quando ele inclui o folclore na sua aula. Mas acho também que o folclore ainda permanece muito vinculado ao mês de agosto. Eu sempre brinco: “Só temos folclore em agosto?”, “Será que não poderíamos trabalhá-lo ao longo de todo o ano?”, e “Será que temos só a Cuca, o Saci, o Boto, a Caipora ou o Curupira?”. Então, na verdade, é um desconhecimento do professor. 

Para ajustar isso, a primeira coisa a ser feita é o professor ir atrás, pesquisar, tentar identificar quais são os personagens que ele acha que seus alunos vão se interessar. Geralmente, não exploramos mais por falta de conhecimento. Muitas vezes o professor está sobrecarregado, tem muita coisa para planejar e uma pesquisa do folclore demanda tempo, é um universo bastante amplo. Mas podemos melhorar isso, tentar apresentar outros personagens e sair do lugar-comum, porque o nosso folclore nos dá muitas possibilidades de trabalho. 

Geralmente, o tema folclore fica restrito às grades curriculares apenas do Ensino Infantil e Fundamental. Faz sentido estender essa abordagem ao Ensino Médio? Como os professores dessa etapa da Educação poderiam trabalhar o assunto na sala de aula? 

Essa pergunta é um fato. O Ensino Médio ainda é voltado muito para o vestibular. Espero que com essa introdução do “Novo Ensino Médio” isso mude também. O que eu sempre digo é que basta apresentar o folclore para a gente ver como os jovens se interessam e gostam dessas histórias e como essas histórias têm a ver com o que eles mesmos consomem na Netflix, no mundo geek, né? O universo é o mesmo. 

Eu sempre dou como exemplo a série “Cidade Invisível”, dirigida e criada pelo Carlos Saldanha. A série teve como base o “Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro” e ficou incrível. Foi como se o Brasil, por meio da série, descobrisse o seu folclore. Foi preciso que a série fosse para o mundo, para que os jovens descobrirem a beleza do Saci, do Curupira, da Cuca… É o que eu já disse, é o desconhecimento dessa riqueza. E apresentar esses personagens no Ensino Médio pode ser por meio da série. Nós já temos a segunda temporada gravada, que eu dei consultoria e pude ver como é um tema que desperta interesse. 
 

Você acha que a internet e a globalização têm padronizado as culturas locais? Como não perder nossa identidade nessa conjuntura? 

Olha, isso é uma questão complexa, mas eu acho que tudo é para o bem e para o mal. Como eu acabei de citar o exemplo da “Cidade Invisível”, ou seja, se não fosse serviço de streaming, talvez muitos brasileiros realmente não tivessem conhecido o nosso folclore, e o que não pode se perder é esse vínculo. Lá em Pernambuco a gente vê uma valorização local pelas tradições, nas cidades maiores, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, você recebe uma grande influência de outras culturas e parece que a coisa vai se diluindo. 

Então, penso que, nesse sentido a escola é um lugar bastante privilegiado, de lembrar dessas tradições, daquilo que é nosso, que constitui a nossa identidade, porque, na verdade, o folclore brasileiro tem a ver com quem nós somos, de onde viemos, as histórias que carregamos, e isso é muito importante. 

Acho que tem que haver uma preocupação com a manutenção dessas tradições e isso só acontece contando essas histórias, registrando e publicando livros, cantando as cantigas… Enfim, não deixar que isso se perca e essa é uma responsabilidade de cada um de nós. 
 
 

Desde a publicação de seu último livro sobre folclore, você continuou estudando o tema? O que descobriu de lá para cá? Há novos projetos nesse sentido? 

Sim, sempre! Eu tenho um projeto interessante, vamos, inclusive, sair pela pela FTD, uma narrativa digital interativa, aguardem! E tem muita coisa sobre o folclore, o universo é muito rico. Eu tenho uma pesquisa das cantigas, outra sobre ditos populares e um trabalho grande do cordel brasileiro. Tenho o livro “Heróis e Heroínas do Cordel” e tem bastante coisa vindo por aí para além da pesquisa, que é um tema que eu gosto muito, que faz parte da minha história. É impossível não deixar de acompanhar, de estudar, de pesquisar uma história nova. 

Depois do lançamento do livro “Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro”, abriu-se um canal pelas redes sociais em que as pessoas costumam também interagir por meio de mensagens. Tudo isso vai movimentando o meu interesse por esse assunto, e eu acho que ele só vai morrer quando eu morrer. 

Aproveite para relembrar a live com a Januária Alves e Carlos Saldanha: o resgate do folclore brasileiro, feita em 2021.

E confira também o trailer da primeira temporada da série Cidade Invisível!

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