Entrevistando

Entrevista com a ilustradora do livro Contos da Selva, Anabella López

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 11min 27seg

8 de novembro de 2021

Anabella López nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 1984, e mora no Recife, onde coordena a escola de ilustração Usina de Imagens. Recebeu diversos prêmios, entre os quais se destacam o Jabuti, em 2015, por seu livro A força da palmeira, na categoria de Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil, e o prêmio Cátedra 10, selo Distinção, outorgado em 2017 pela Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio, por sua obra Barbazul — que também recebeu o prêmio Image of the Book, em 2019, na Rússia. No mesmo ano, seu trabalho ganhou o importante selo White Ravens, concedido pela Biblioteca Internacional da Juventude, em Munique, na Alemanha. 

  1. Fale um pouco sobre a sua formação e trajetória profissional. 

Nasci em Buenos Aires, na Argentina, sou formada em Design Gráfico pela Universidade de Buenos Aires e estudei ilustração na primeira escola de ilustração da América Latina, a Sotano Blanco, também na Argentina. Estudei muralismo e pintura, no ateliê do (artista) Diego Perrotta, dei aulas na universidade e na escola de Sotano Blanco, trabalhei como Design Gráfico com Branding, sistemas de identidade visual para grandes empresas e, na última fase em que estava na Argentina, tinha começado a trabalhar com ilustração, principalmente em projetos autorais. Meu primeiro livro autoral foi editado no México e, a partir daí, comecei a trabalhar como ilustradora. Quando mudei para o Brasil, há dez anos, decidi focar somente na ilustração. Trabalho como professora de ilustração na escola Usina de Imagens, em Recife, que com a pandemia abriu aulas on-line e agora tem alunos do mundo todo.  

  1. Como recebeu o convite para ilustrar Contos da selva 

Na verdade, eu que fiz o convite para a editora para ilustrar o livro Contos da selva. Horácio Quiroga é um dos meus autores favoritos e sempre tive este desejo de trazer a obra dele para o Brasil. Pensei no projeto, tive uma reunião com o Estevão Azevedo (editor de literatura da FTD Educação), ele gostou muito da proposta e depois de várias conversas, ficou acertado que faríamos o livro.  

  1. O livro é um clássico da literatura infantojuvenil sul-americana, publicado pela primeira vez na Argentina, em 1918. Qual foi a inspiração para as ilustrações da obra? 

É difícil pensar no que inspira um ilustrador ou um artista visual quando faz um livro ilustrado. A questão da inspiração é geral e, também, específica, no sentido de que ela vem de todo percurso que o autor fez ao longo da sua vida até o ponto que chega o momento desse livro específico. Eu moro quase em frente ao mar, em Porto de Galinhas, um lugar que, felizmente, é cheio de natureza e animais. Muitos dos animais que aparecem no livro estão no meu cotidiano. Dentro do coqueiral e do manguezal em frente da minha casa, por exemplo, tem muitos jacarés, que é um animal que aparece na obra. Ao mesmo tempo, um dos meus grandes referenciais são as culturas mais primitivas e originárias, e uma das principais características deles é que na sua arte eles adoravam representar o cosmos, no sentido de tudo que estava em volta deles. Trabalhavam muito morfologias através da anatomia dos animais. Acho que tudo isso fez parte da minha construção da obra. Queria que fossem imagens contemporâneas, porque o Quiroga é quase um autor contemporâneo e, ao mesmo tempo, queria que tivesse um ar mais antigo. Esta é a luta também que o livro mostra, da natureza contra as cidades.  

  1. Por que ilustrar Contos da selva é a realização de um sonho para você? 

Quiroga é um dos meus autores favoritos desde a infância, gostava e gosto muito de ler os contos dele. Não só os Contos da selva, mas, também, os Contos de amor, de loucura e de morte – adoraria ilustrar esse livro. Para mim, trazer um autor de língua hispânica para o Brasil é uma forma de criar uma ponte mais sólida entre os países latino-americanos, entre duas culturas que eu amo tanto. O Quiroga, que é uruguaio, passou a maior parte da vida dele na Argentina, então é considerado um autor tanto uruguaio quanto argentino. Poder trazê-lo para o Brasil é quase como uma “semiconclusão” dessa passagem que fiz quando vim morar aqui. 

  1. Ao longo das últimas décadas, o livro teve outras edições no Brasil e em outros países. Como foi o processo de ilustração de uma reedição? Você trouxe referências de edições anteriores ou criou uma linguagem visual completamente nova para esta nova edição da FTD Educação? 

Eu não vi referências de edições anteriores porque não queria ter essa influência, essa contaminação. Eu já tinha visto várias (edições) ao longo da vida, mas não olhei nenhuma na hora de criar essa. Quando você propõe um projeto, você o imagina de uma forma. O que eu achei muito interessante foi voltar a confiar no mundo editorial. O resultado não é nada do que eu imaginei, ele vai muito além do que eu podia imaginar. Quando o livro ganhou a participação de outras pessoas (a Camila Catto e o Daniel Justi, editores de arte; a Luísa Zardo, no design), todos colocaram o melhor de si no livro e isso dá para ver. Tivemos um diálogo muito bom no qual cada um de nós estava respeitando muito o espaço do outro e enaltecendo a beleza do trabalho do outro. O livro foi crescendo, as peças foram se encaixando uma na outra. Foi muito fácil fazer o livro, fluiu bem. 

  1. O livro foi lançado no começo do século 20, em uma época em que os exploradores usavam animais mortos como troféus. Naquele contexto, o autor Horácio Quiroga apresentou justamente uma visão sensível da relação entre o ser humano e a dita vida selvagem, em que a caça e o conflito são equilibrados pela gratidão e pela amizade. Você considera o autor e sua obra precursores do movimento pró-meio ambiente e sustentabilidade, tão destacado nos tempos atuais? 

O Quiroga é um precursor no sentido de que ele faz essa mesma abordagem dos animais que as culturas originárias faziam. Ele vê e coloca nos animais questões humanas e traz com isso perguntas filosóficas sobre a vida, o valor do ser humano dentro de uma sociedade, do ser humano em relação a outro ser humano. Essas perguntas têm muito a ver com as motivações que o Quiroga tinha. Ele teve uma vida muito sofrida, muito relacionada ao suicídio, com morte, com tragédia, com solidão, ele foi morar no meio da selva sozinho. Quando vai descrever os animais, ele reflete sobre a vida e tudo o que a compõe. Estamos em uma crise em relação ao meio ambiente e à sustentabilidade, mas o que temos, na verdade, é uma crise muito mais profunda, é um sintoma de que estamos em uma crise de humanidade, de valores e ideias.   

  1. No livro, os animais tomam atitudes que espelham as humanas, ora agressivas e violentas, ora gentis e solidárias. Você levou para as ilustrações esse lado “psicológico” dos animais em cada conto? 

O que eu aproveito para trabalhar quando temos um livro sobre animais e natureza é a morfologia deles. Tento através das formas, sejam elas geométricas, sejam gestuais ou orgânicas, trazer alguma questão do psicológico, no sentido da ideia, do conceito. Os animais são ideais porque, se conseguimos resgatar algum aspecto icônico, quem vê o animal vai reconhecê-lo – mas sempre podemos trazê-lo de uma forma nova, diferente, sem cair em estereótipos e clichês e sem deixar esses animais humanizados. O risco de querer trazer o lado psicológico em animais é você acabar humanizando-os. Eu tentei, através das cores e das formas, renovar o sentido, a interpretação que damos para cada um desses animais. Na verdade, seria o (lado) psicológico dos humanos na visão do animal.  

  1. De todos os contos, qual foi o mais desafiador para ser ilustrado? Por quê? 

Foi O passo do Yabebirí, com as arraias, que são animais que adoro. Quando eu desenho uma das primeiras operações é pensar numa síntese extrema do animal. Para mim, a arraial era um círculo, especialmente esse tipo de arraial de rio. Um círculo com uma linha. Era difícil entender quais elementos gráficos eu poderia trazer para esse animal sem que ficasse óbvio que era ele. E como o círculo é a figura geométrica mais sólida que temos, ele encerra tudo. Foi difícil tentar gerar alguma tensão na imagem para criar esse personagem. Eu fiz e refiz umas quatro vezes e, no final, é um dos meus preferidos, porque essa dificuldade foi um desafio para que eu achasse uma nova forma. Às vezes, quando isso acontece, elaborar esse problema é quando acho aquele tesouro gráfico do livro.  

  1. Você tem algum conto predileto no livro? Por quê? Você se identifica com alguma situação narrada? O conto gera algum sentimento especial em você? 

Talvez a relação gráfica seria o conto O passo do Yabebirí. Em relação às histórias não tenho como escolher uma, todas me tocam de alguma forma. Mas se tivesse que eleger um, nem pela identificação com a história, mas porque é um dos contos que lemos muito no ensino básico, ficaria com As meias do flamingo. Na Argentina e no Uruguai é como se fosse o conto icônico desse livro.  

  1. A paixão de Horácio Quiroga pela flora e pela fauna sul-americanas está presente em todas as histórias. O escritor, inclusive, foi morar na selva missioneira, na fronteira com Argentina e Paraguai e perto do Brasil. Você também escolheu viver em um lugar de natureza exuberante aqui no Brasil, em Porto de Galinhas, no litoral pernambucano. Como é sua relação com a natureza e como ela aparece no seu trabalho de ilustradora? 

Parece difícil de acreditar, mas sou um bicho muito urbano. Morei no centro de Buenos Aires, adoro São Paulo e o Rio de Janeiro, tenho de ir uma vez por ano só para passear. As cidades têm concentração de pensamento e são o reflexo de uma época. Sou apaixonada por cidades, mas, ao mesmo tempo, percebi ao longo da vida que tentei fazer uma inversão no sentido de morar em um lugar que fosse tranquilo e que me desse qualidade de vida no dia a dia. Porto de Galinhas para mim é isso: tenho a praia a 100 metros, a possiblidade de surfar e tomar banho de mar, olhar pela janela e ver os coqueiros altíssimos, sentir o vento. É ótimo morar num lugar onde a natureza prevalece e quando sinto falta do urbano, vou de férias para a cidade. No meu trabalho como ilustradora, isso teve um impacto imenso, na minha paleta de cores, nas minhas temáticas. Não só a natureza, mas a cultura brasileira me apaixona, é de uma riqueza infinita. Já me considero metade (argentina), metade (brasileira), mas, mesmo assim, tenho um olhar estrangeiro.  
 
Confira uma degustação da obra 

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