Há pouco mais de 20 anos, o quase centenário pensador francês Edgar Morin publicou o livro A religação dos saberes, em que propunha, a partir de uma solicitação de propostas para o ensino secundário, feita a ele pelo então ministro da Educação da França, Claude Allègre, que as barreiras entre as disciplinas fossem derrubadas. O texto reúne o resultado de discussões ocorridas nas Jornadas Temáticas entre intelectuais do país, sobre como religar as ciências da natureza e as ciências da cultura. Morin e o grupo reunido em março de 1998 afirmavam que, apesar de fazer todo o sentido conectar diferentes matérias, em especial as Humanidades e as Ciências Exatas, as escolas, do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, continuavam a fortalecer o modelo de fragmentação e da disciplinarização. Isso precisaria mudar e os saberes deveriam ser religados.
De fato, o conhecimento científico evoluiu a partir do que se construiu ao longo do tempo, e os melhores cientistas, mesmo os que quebram paradigmas estabelecidos, estão sentados “sobre ombros de gigantes”, como escreveu Isaac Newton em carta a Robert Hooke, no século 17. Faz, assim, pouco sentido ensinar ciências sem recorrer à história.
Daí a relevância de se ensinar história da ciência nas escolas, integrando as disciplinas e mostrando aos alunos como o processo de pesquisa científica evoluiu ao longo do tempo, como descobertas ocorreram e como artefatos usados em laboratórios resultaram de observações científicas e, ao mesmo tempo, aceleram novos achados. Neste sentido, acerta a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, de Ensino Médio, ao integrar disciplinas por áreas de conhecimento como ao demandar que os currículos incluam maior integração entre história e ciências da natureza.
Ao ler a recém-publicada biografia de Jennifer Doudna, bioquímica americana laureada com o Nobel de Química de 2020, escrita por Walter Isaacson, A decodificadora, veio-me a percepção da fragilidade de um ensino que não incorpora história nas aulas de Química ou Biologia. A cientista, pioneira em pesquisas de edição genética que podem nos ajudar a enfrentar vírus, avançou em suas investigações por duas razões: incorporou achados de outros contemporâneos e beneficiou-se de descobertas e invenções de pesquisadores que a precederam no grande movimento anterior do projeto Genoma Humano. Doudna, ela mesma, defendia uma maior integração das Humanidades na formação de futuros cientistas.
A possibilidade de mostrar nas escolas, a crianças e jovens, o incrível processo de descobertas científicas e a evolução do conhecimento humano trará, sem dúvida, maior interesse no campo científico, trazendo mais mulheres, como Doudna, para as Ciências, e contribuindo para a religação dos saberes que Morin preconiza.