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Profissão Professor: Os Caminhos da Gestão – Identidades e usos pedagógicos das evidências

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 14min 46seg

29 de julho de 2020

A gestão é um dos lugares mais complexos de ocupar no interior das escolas. Embora, visto por grande parte do professorado como uma posição de avanço ou promoção na carreira docente, postulamos aqui outras perspectivas possíveis para a chegada aos cargos de gestão escolar e para a construção das identidades, bem como, para o efetivo exercício na função.

Vamos tratar o termo gestão, considerando o trio gestor: direção, vice-direção e coordenação pedagógica. Quando nos referirmos a um especificamente, daremos o destaque no texto. Uma das primeiras questões que podemos apresentar são os caminhos para chegar à gestão.

Geralmente a porta de entrada para a gestão escolar são as coordenações de áreas. Essas funções, hoje, quase em extinção na maioria dos colégios particulares. Nas redes públicas, os modelos de acesso à gestão são outros que explicaremos mais abaixo.

A coordenação pedagógica, em tese, é o primeiro cargo que se ocupa no trio gestor. O ingresso se dá por meio de convite da direção e mantenedores e pressupõe algumas características objetivas e subjetivas para o professor que assume o posto. Já nas redes públicas existem três modelos em vigor no Brasil:

  1. a) por meio de concurso público regularizado em lei orgânica do município;
  2. b) por meio de eleições em processos democráticos abertos, considerando as competências e critérios técnicos de elegibilidade;
  3. c) por meio de convite dos secretários de Educação. Ainda assim, existem alguns processos seletivos em redes municipais e estaduais que compõem análise técnica e entrevista de perfil.

É possível observar que a coordenação precisa manter certo perfil de formação e identidade. Entre as características é recorrente perceber a boa avaliação na função docente, a boa articulação entre os setores da escola e a legitimidade de prática diante dos colegas e das famílias. Ou seja, para a função de coordenação, geralmente, se convida um excelente professor.

Uma ressalva importante é que o bom desempenho como professor não ecoa necessariamente no bom desempenho como gestor, ou seja, essa análise tem elementos subjetivos que não podemos apenas transpor a função, ou imaginar que o docente encontrará sua identidade imediatamente no novo cargo.

Embora a função da gestão pedagógica tenha natureza eminentemente escolar e educacional e exija experiência em sala de aula, as habilidades e competências que as funções de gestão solicitam são outras. É necessário perceber quais são as diferentes competências e reiniciar um processo de construção identitária para o exercício da nova função.

Um professor experiente domina todos os processos que envolvem a docência, e eles vão desde o preparo, o planejamento das aulas, a relação com as turmas e com as famílias, atravessa o uso do material didático, a escolha e participação nos projetos e são focados na turma que lhe foi atribuída. Por mais que tenha conhecimento das legislações educacionais, quando o recém chegado coordenador assume a tarefa é que ele começa a ter a percepção do todo, pois até então sua visão era para uma parte apenas.

A percepção de todo funcionamento da escola é uma das habilidades que são esperadas dos gestores, uma vez que uma de suas funções é a de integrar os trabalhos dos diversos setores pedagógicos e administrativos. É fundamental que o gestor se alimente de dados, de informações, de subsídios que o auxiliem nos processos de decisão. Logo, a primeira barreira a transpor é aquele em que há uma visão estreita de alguns setores apenas, passando para a percepção ampla dos processos que unificam o funcionamento da escola.

Na coordenação pedagógica essa visão do todo é um dos passos de transformação identitária do professor para o gestor. Ou seja, é na hora que vai para o outro lado que se consegue perceber a quantidade de desafios com as quais a escola está envolvida.

Não existe uma formação prévia para o profissional que assume a coordenação pedagógica de forma a orientá-lo sobre as atribuições do cargo e, muito menos, para subsidiá-lo com fundamentação teórica e experiencial para o exercício da nova função. Mesmo em redes consolidadas, as portarias de atribuição do cargo/função geralmente são difusas e pouco esclarecedoras.

Nesse sentido é muito importante lembrar de atribuições que não devem ser do coordenador, ou mesmo, as tarefas e papéis que precisam ser bem divididos entre a equipe gestora.

O coordenador não deve assumir papel de inspetoria de alunos, de porteiro e merendeiro. Embora esse tipo de desvio seja comum nas redes públicas e escolas privadas, ao desviar esse profissional do que deve ser o centro da sua ação comete-se um dos equívocos que têm maior custo pedagógico do que ganho operacional.

Colocar um coordenador para acompanhar recreios de alunos, para mensurar quantidade de folhas que docentes imprimem, ou para acompanhar processos de entrada e saída de estudantes, além de ser grave desvio de função, demonstra a ausência de consciência de papel e identidade. Ou seja, um coordenador que abre e fecha a porta da sala de informática, objetivamente terá menos tempo para criar, compor e analisar dados pedagógicos de desempenho dos estudantes e de orientação de seu corpo docente. Se esse profissional está envolvido com a distribuição da merenda, ele deixará de preparar a reunião de formação dos professores.

O equilíbrio e a clareza entre o trio gestor (que em alguns municípios pode ser a dupla gestora) é um passo deveras importante no caminho da identidade e da profissionalização da gestão.

Da mesma forma, um diretor que recusa se envolver com a parte pedagógica da escola, que não acompanha dados, que não decide por meio de evidências, pode deixar o coordenador sobrecarregado e a mercê de decisões equivocadas pela falta de embasamento e conhecimento da situação diária.

Os diretores, mesmo que tenham grande demanda de trabalho, precisam dividir as tarefas, realizar planejamentos factíveis e dirigir os segmentos da escola em uma busca de participação orgânica, equilibrada entre a capacidade técnica reflexiva e a capacidade técnica executiva. Os gestores têm a árdua tarefa de antever, planejar, executar, avaliar o executado e rever o plano. Os gestores são responsáveis por toda execução do planejamento.

Sendo assim, uma das principais habilidades que os gestores precisam garantir é a liderança e a comunicação que, aliás, é um dos maiores empecilhos ao desenvolvimento de uma gestão eficaz, ampla e democrática.

Um dos grandes desafios que a literatura acadêmica sinaliza é sobre a liderança de grupos qualificados, ou seja, os gestores que estão à frente de grupos preparados, experientes e algumas vezes resistentes a argumentações simplistas necessitam desenvolver um processo de gestão eficiente que leve sua equipe docente à reflexão sobre a ação. Um grupo de professores, no limite, só consegue ser liderado com profissionais de evidente competência técnica e clareza da comunicação dos planos.

A comunicação entre os gestores é um fator preponderante para o exercício e a permanência no cargo. Uma boa comunicação escrita, um bom planejamento e a clareza dos caminhos podem minimizar atritos no cotidiano da escola. O resultado dessa boa sintonia da equipe gestora transborda entre os docentes e a comunidade.

É importante que os gestores reconheçam que a palavra da equipe que lidera deve ser institucional, deve assumir o peso de quem decide e comunica com clareza e objetividade os caminhos que seguem. Uma boa gestão também é medida pela sua qualidade de comunicação e, nesse ponto, considerar o professor como o principal gestor do processo educacional ganha relevância.

Esse profissional, o professor, tem sob sua reponsabilidade o processo de gestão da aprendizagem de seus alunos, muitas vezes centenas deles (no caso dos professores especialistas), com os quais o contato é realizado uma vez por semana, durante o tempo de uma ou duas aulas. Dessa forma, o planejamento das atividades propostas assume fundamental importância e, para saber se o processo de aprendizagem está se materializando de fato, ele precisa se pautar em dados e evidências sobre suas ações pedagógicas.

Ainda nessa direção, o uso de dados e evidências por parte de gestores e professores caracteriza-se como algo inegociável.

A gestão por evidências, como o nome sugere, deve ser baseada em informações, em dados, no conhecimento de “boas práticas” comprovadas e não em suposições ou análises superficiais que podemos denominar por “achismo”. A decisão sobre os caminhos a serem percorridos não podem ser pautadas por modismos sem comprovação de sua eficácia, pois uma decisão errada pode significar a perda de anos e anos de uma cultura escolar sedimentada, pois a escola funciona por ciclos nos quais há um encadeamento de ações para se atingir um objetivo final de Educação de qualidade. Quando tomamos um rumo errado em função de uma decisão precipitada e sem embasamento teórico por parte de autores e dados, temos que recomeçar, muitas vezes voltando ao ponto inicial.

Ela é oriunda das formações em administração de empresas, nas quais a gestão baseada em evidências é um termo que tem chamado a atenção dos principais tomadores de decisão de empresas de todos os portes. Isto acontece porque não se pode tomar decisão sobre qualquer situação que envolva negócios ou a continuidade operacional de instituições sem um forte embasamento. Por mais que tenha surgido no meio empresarial, sua aplicabilidade nos sistemas educacionais, tanto público quanto privado, é de inegável importância, uma vez que a profissionalização para o exercício da gestão é uma necessidade real.

A ideia é tomar decisões mais assertivas baseando-se em constatações da realidade. A gestão por evidências aplicada à Educação nada mais é do que a gestão da escola (e da sala de aula) baseada em dados, mapeamentos e diagnósticos que revelam exatamente como os alunos estão aprendendo (ou não), tanto nos conteúdos programáticos quanto em relação às habilidades socioemocionais, permitindo identificar as áreas em que têm maiores dificuldades e como adequar a didática e procedimentos dos professores para atingir resultados melhores.

Uma das formas de usar a gestão por evidências é analisar profundamente o resultado dos alunos em avaliações internas e externas.

Em relação a isso, há uma tendência crescente de políticas públicas que defendem o uso de dados de avaliações externas dos alunos como aspecto central na gestão do aprendizado, com o objetivo de aumentar a qualidade do ensino nas escolas públicas.

No entanto, há pontos de discussão sobre essa utilização crescente, uma vez que, enquanto uma parte defende o uso e a ampliação dos processos de avaliação externa, argumentando que uma maior quantidade de dados permitirá o desenvolvimento de ações mais assertivas na Educação, outra parte questiona essa ampliação afirmando que os currículos mais amplos e generalistas estão sendo negligenciados para preparar os alunos para as avaliações.

Nem tanto ao mar e nem tanto à terra. É inegável que a oferta de maior quantidade de dados pode proporcionar o desenvolvimento de ações assertivas. Porém, cabe lembrar que dados só se transformam em informações quando carregados de significado. Assim, aumentar simplesmente as avaliações, por si só, não representa garantia de melhoria. Primeiro é necessário que professores e gestores, tanto no nível escola quanto nas esferas governantes, aprendam a analisar os dados para que sejam construídas interpretações pedagógicas desses resultados, pois somente elas poderão dar sinalizações de caminhos a serem tomados no processo educacional.

Não devemos apenas ampliar a quantidade de dados sem sua necessária interpretação.

A utilização eficaz de dados para o aprimoramento do ensino depende do desenvolvimento de capacidades individuais, organizacionais e relacionais e, nesse sentido, o “chão de escola” é o palco necessário para a construção dessa metodologia. Poucas ações de eficácia comprovada nascem fechadas em gabinetes, sem interlocução e participação com os principais atores do processo educacional: gestores escolares, professores e alunos.

Esses atores precisam estar próximos, alinhados, mantendo diálogo permanente para a eficácia do projeto educacional da instituição.

Uma gestão com foco em evidências tem grande potencial de suporte aos professores, mas esse potencial só se materializará se o gestor desenvolver junto a eles uma relação colaborativa, de parceria e não punitiva.

O gestor precisa se capacitar no entendimento de como coletar e como interpretar as evidências para ajudar os professores no sentido de conseguirem prestar atenção em padrões relevantes e, ao mesmo tempo, evitar a reação exagerada a mudanças pontuais nos resultados. A análise de resultados de Saeb e Enem, por exemplo, não pode estar pautada apenas nos resultados de um único ano, pois há fatores sazonais que podem interferir nos resultados. O importante, nesses casos, é acompanhar esses resultados ao longo do tempo para verificar o que é sazonal e o que é cultural de sua escola. Se o desempenho em uma determinada habilidade é, de forma recorrente ao longo dos anos, considerado insuficiente, isso é um sinal de que devem ser desenvolvidas ações para o fortalecimento do trabalho para o desenvolvimento dessa habilidade.

Quando essa análise é realizada de forma madura e ancorada em dados que permitem a construção de indicadores, sai de cena o caráter individual e personalista, entrando em campo o coletivo da escola, pois nenhuma habilidade é desenvolvida de forma isolada. Nesse momento, é fundamental capacitar e dar voz aos professores, dando-lhes segurança para manifestarem suas opiniões, para que a partir de seus diagnósticos, possam pensar em ações práticas.

Na contramão disso, quando não há embasamento e confiança em relação ao uso dos dados, professores podem se sentir inseguros em relação aos julgamentos de seus gestores, ocorrendo o mesmo por parte dos gestores em relação aos dirigentes municipais ou estaduais de Educação.

Alan Daly e colegas (2014) realizaram um estudo analisando as relações entre os diretores e os supervisores da secretaria de ensino em uma grande cidade americana (14 mil funcionários distribuídos em 223 unidades escolares e repartições públicas). Eles verificaram que os diretores das escolas raramente buscavam os profissionais da secretaria para se aconselhar sobre uso de dados. A pressão institucional para que as escolas alcançassem o patamar esperado fazia com que a busca de aconselhamento junto ao órgão de supervisão se tornasse um movimento arriscado: isso poderia sinalizar que a escola não iria desempenhar bem e que o diretor não era capaz de promover as mudanças necessárias. Dessa forma, a ‘tragédia anunciada’ ocorria: quanto pior era o desempenho da escola, menor a chance de seu diretor buscar a secretaria, com receio de expor-se ao escrutínio e o círculo vicioso se mantinha, uma vez que a escola não era capaz de mudar seu cenário de resultados nas avaliações, em grande parte por não saberem o que fazer.

Fica evidente que a capacitação dos gestores e dos professores é importante, mas as interpretações e práticas de “utilização de dados” são construídas a partir das trocas e discussões com os colegas e, para uma efetiva utilização dos dados, é fundamental que existam relacionamentos de colaboração e confiança.

Para saber mais:
Busca por evidências precisa fazer parte da gestão escolar
Disponível em: https://www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/17/
Educação baseada em evidências: a utilização dos achados científicos para a qualificação da prática pedagógica, Gary Thomas, Richard Pring e colaboradores, Artmed (2007).
Professores usando evidências: utilizar o que sabemos sobre ensino e aprendizagem para reconceituar a prática baseada em evidências, Philippa Cordingley, artigo do livro Educação baseada em evidências: a utilização dos achados científicos para a qualificação da prática pedagógica, Artmed (2007).
Daly, A. J., Finnigan, K. S., Jordan, S., Moolenaar, N. M., & Che, J. (2014). Misalignmentand perverse incentives: Examining the politics of district leaders as brokers in the use of research evidence. Educational Policy, 28(2), 145-174.
Farley-Ripple, E., &Buttram, J. (2015). The development of capacity for data use: The role of teacher networks in an elementary school. Teachers College Record, 117(4), 1-34.
Luck, Heloísa. Gestão do processo de aprendizagem pelo professor. (2014) Petrópolis. RJ. Editora Vozes.Guimarães, Célia Maria. e Miranda, Arilda Inês. (org.)
Gestão Educacional: questões contemporâneas. (2008). Araraquara. Junqueira&Marin Editores.
Placco. Vera Maria Nigro. e Ramalho, Laurinda Almeida. (org). O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. (2012). São Paulo. Editora Loyola.
Placco. Vera Maria Nigro. e Ramalho, Laurinda Almeida. (org). O coordenador pedagógico e o espaço de mudança. (2001). São Paulo. Editora Loyola.

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