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Para o professor Profissão Professor: nuances da formação, profissionalização e trajetórias

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 21min 31seg

7 de julho de 2020

O presente texto pretende abordar algumas nuances das etapas do desenvolvimento docente e relacionar com o histórico de formação dos professores, desde os que se formaram no magistério e na pedagogia até os professores especialistas que atuam nos segmentos do Ensino Fundamental Anos Iniciais e Anos Finais e Ensino Médio. Pretende também problematizar as questões da formação inicial, considerando a escolha da carreira e a natureza da formação continuada, com algumas questões dos processos de profissionalização e permanência no magistério, entender as fases da carreira se baseando nas teorias dos autores: Nóvoa, Huberman, Marcelo e Vaillant, Tardiff e Dubar.

Questões sobre a trajetória docente

Nas últimas duas décadas, na literatura mundial e especificamente na brasileira, tem se ampliado o número de pesquisas que versam sobre a problemática das etapas do desenvolvimento docente, o início, a permanência, e como são os processos formativos durante a carreira. Em estudos de Huberman (1995), Nóvoa (1995) e  Marcelo (1999), são apresentados conceitos já consagrados que permitem compreender essas etapas.

Tomo emprestado de Nóvoa (1995) duas questões que contextualizam nossa proposição.

“Será que há ‘fases’ ou ‘estágios’ no ensino? Será que grande número de professores passam pelas mesmas etapas, as mesmas crises, os mesmos acontecimentos-tipo, o mesmo termo de carreira, independentemente da ‘geração’ a que pertencem, ou haverá percursos diferentes, de acordo com o momento histórico da carreira?”.  (NÓVOA, p. 35, 1995).

Quando nos propomos a olhar para as questões dos processos de formação, profissionalização e a constituição das identidades dos professores, tentar observar os ciclos que esses docentes estão submetidos, ou mesmo perceber se há congruências, similaridades, mesmo considerando alguma diferença de trajetória, algumas regionalidades e ingresso na carreira por caminhos variados, podemos afirmar que existem mais semelhanças que diferenças.

Nóvoa continua perguntando:

“Que imagem é que as pessoas têm de si, como professores, em situação de sala de aula, em momentos diferentes da carreira? Terão a percepção de que modificaram os seus processos de animação, a sua relação com os alunos, a organização das aulas, as suas prioridades, o domínio da matéria que ensinam?” (NÓVOA, p. 35, 1995).

Esse conjunto de questões, que não pretendemos esgotar nesse curto espaço, e podemos aprofundar em outros momentos, podem nos nortear, nos dar pistas de como observar as trajetórias, os percursos e os processos de permanência na carreira, com toda as demandas de formação, de (re)descobertas, (re)invenções e (re)criações que o docente passa durante a vida. 

Não podemos deixar de perceber que esses mais de dois milhões de professores espalhados pelo Brasil, mesmo que se considerem algumas diferenças estruturais na perspectiva objetiva das condições de origem social e das condições estruturantes e do conjunto de questões subjetivas que permeiam a constituição do habitus e do capital de cultura, têm ainda trajetórias no interior da escola, na relação entre os pares e entre as comunidades que são semelhantes.

Vale deixarmos algumas questões:

As pessoas ficam mais satisfeitas no percurso da carreira? Se redescobrem? Aprendem novas habilidades? Quais são os momentos mais inesquecíveis da sua carreira? Como lembramos das turmas, das escolas que passamos e dos colegas de profissão?

Quais são as marcas que nos forjaram professores? E qual professor nos marcou tanto que, hoje, grande parte da nossa prática é inspirada nesses vultos que passaram por nossas vidas?

Não pretendemos responder tudo por aqui, mas deixamos a porta aberta para as múltiplas possibilidades reflexivas, exercícios de memórias e a escrita de histórias que não podem ser apagadas. As histórias desses milhares de professores que mesmo não escritas em livros de papel, certamente serão lembradas por centenas de alunos.

 Ainda assim, estudos sobre as transformações do perfil de professor, e das mudanças políticas como Campos (2003) e de formação e práticas específicas dos docentes especialistas como Hobold e Cruz (2019) dão de forma bem analítica com pesquisas delineadas sobre a temática, e apontam objetos de estudo que podem ser abordados nas formações que ocorrem no cotidiano da escola.

E mesmo propondo um conjunto de questões contextualizadoras apresentadas acima, específico num recorte mais preciso sobre os aspectos da formação docente.

Numa tentativa de cotejar o que os alunos de licenciatura recebem de formação durante os cursos de graduação e as etapas da carreira docente, que estão interligadas e se analisadas conjuntamente, podem nos dar horizontes de como compreender melhor a formação e o desenvolvimento profissional dos docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental e também dos especialistas dos segmentos de Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio.

Para isso, propomos uma pergunta ainda mais específica para analisar:

 As expectativas e as práticas formativas dos cursos de licenciaturas (em pedagogia ou em licenciaturas diversas) entregam as condições necessárias para o exercício profissional no início da carreira? Quem se sentiu bem preparado ao terminar a graduação?

A pesquisa das professoras Cruz e Hobolt (2019) captura a visão dos formadores de professores e dos licenciandos em formação nas graduações de Letras, Pedagogia, História, Matemática e Ciências Biológicas, principalmente sobre as expectativas da formação na licenciatura e sobre as práticas de ensino aplicadas durante o curso. A pesquisa tem um recorte bem interessante, pois dialoga com um grupo de professores que muitas vezes são pouco observados e compreendidos. É fundamental dialogar com todos os segmentos da escola para diminuir os abismos de formação das diferentes licenciaturas. 

A ponderação dessa perspectiva se torna relevante se colocada na esteira da compreensão das fases de desenvolvimento que Huberman postula, pois apresenta uma assincronia entre a formação proposta e realizada na universidade, a política de formação imposta pelo estado e a vivência do docente na escola em suas mais diversas fases da carreira.

Essa assincronia é minimizada pelos processos de formação que os gestores dentro da escola acabam por se responsabilizar – muitas vezes de maneira precária e ao custo alto de ter de ajustar entre as inúmeras tarefas que já exerce. A formação continuada no interior da escola, as trocas de aprendizagens sobre o ofício aprendida com os colegas mais experientes e a continuidade de estudos em cursos de especialização, no limite, vão instrumentalizando o professor iniciante ao exercício da docência na mesma medida que esse docente vai aprendendo o ofício, mesmo depois de formado.

As expectativas dos estudantes ao escolherem o curso de licenciatura e optarem pela carreira do magistério, em seus mais diversos segmentos, são colocados à prova no cotidiano da universidade, no diálogo com os currículos universitários e sobretudo na chegada dos semestres que realizam os estágios, pois nesse período vai ficando evidente a necessidade de aproximação da universidade com a escola.

Para compreender as expectativas de formação das licenciaturas e a não efetivação dessas expectativas, pesquisando entre os alunos das graduações as professoras Cruz e Hobolt (2019) escrevem:

As razões apontadas por aqueles que consideram que o curso atendeu parcialmente suas expectativas recaíram sobre algumas disciplinas e, conseqüentemente, sobre seus professores, cuja concepção e prática parecem ter ficado muito aquém do que se espera em um curso de nível superior. Disciplinas sem planejamento, discussões muito genéricas, aulas sem encadeamento, trabalhos sem retorno, enfim, falta de clareza sobre o papel da disciplina no contexto do curso. (CRUZ & HOBOLT, 2019, p. 249.)

Fica evidente que o curso de licenciatura nem sempre  possui a integração necessária para o exercício do magistério, percepção que pode ficar mais acentuada nos anos iniciais da carreira do professor. A desconexão entre teoria e prática apontada pelos estudantes das licenciaturas pode ainda aprofundar as dificuldades encontradas pelos professores no início da carreira.

É comum encontrarmos relatos de experiência, durante os momentos de formação de professores, sobre ter visto inúmeros temas na universidade que não são necessariamente objetos no exercício da docência. Não intentamos defender que a formação universitária não seja relevante, tampouco suficiente em si mesma, justamente ao contrário, um bom percurso na graduação é um diferencial do ingresso e da permanência do docente na carreira, no entanto, é urgente perceber que as reformas dos currículos universitários podem dar aos professores melhores condições de análise e atuação na profissão, ou seja, é importante ter densa formação teórica e, para isso, não deveria ser necessário abrir mão da formação em didática e metodologia. A teoria e a prática não deveriam se opor, e sim se complementarem.

São as disciplinas de didática e de metodologia que terão grande relevância no dia a dia do professor no interior da escola. São esses conjuntos de saberes que o professor precisará ter à mão para entregar os conteúdos para os alunos que estarão sob sua responsabilidade que estariam ligadas ao que Huberman chama de fase de exploração.

Huberman(1995) descreve as etapas do desenvolvimento e categoriza assim:  Fase de exploração (entrada na carreira), Fase de estabilização,  Fase de diversificação, Fase de “pôr-se em questão”, Fase de serenidade, Fase de conservantismo e lamentações, Fase de desinvestimento.

O desenvolvimento de uma carreira, é assim, um processo e não uma série de acontecimentos. Para alguns, este processo pode parecer linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saídas, momentos de arranque e descontinuidades. O facto de encontrarmos sequências-tipo não impede que muitas pessoas deixem de praticar exploração, ou que nunca estabilizem, ou que desestabilizem por razões de ordem psicológica (tomada de consciência, mudança de interesses ou de valores) ou exteriores (acidentes, alterações políticas, crise econômica).  (HUBERMAN, 1995, p. 38.)

Perceber essas fases ou etapas da carreira é muito importante no processo de formação continuada, na busca e na construção da identidade profissional e claramente delineia as opções políticas, ideológicas, metodológicas e psicológicas de permanência no magistério.

Ao refletirmos sobre o percurso na universidade e a entrada na carreira, como Hubermann define a Fase da exploração, ouso aqui sugerir de maneira irônica, que é a fase da exploração na sua mais clara definição. É no início da carreira que estamos nos descobrindo professor e, dependendo do momento da vida, também estamos nos descobrindo “gente grande”, ao final da universidade, entre 22 e 23 anos, no nosso caso especificamente, essa fase de exploração ocorreu ao final do curso de magistério aos 17 para 18 anos.

Essa etapa da exploração se dá na busca e na experimentação da descoberta do ofício. Ainda não sabemos qual segmento gostamos mais, em quais conteúdos temos mais competências, são inúmeras dúvidas sobre as burocracias do cotidiano escolar (diários, notas, avaliações, eventos) junto com os enfrentamentos diante das políticas educacionais que ironicamente tendem a nos explorar (na perspectiva marxista de exploração do trabalho) enquanto, em sua maioria, os docentes iniciantes permanecem em situações precárias de ingresso na profissão.

São os professores iniciantes que lecionam nas turmas mais “difíceis”, que acumulam cargos em colégios distantes um do outro, que não escolhem as aulas nem as turmas. E não podemos esquecer que em muitas regiões do Brasil, por muito tempo, os estudantes das licenciaturas assumiram turmas na ausência de professores. Sendo assim, além de todos os desafios da recém-chegada na carreira, ainda acumulavam os trabalhos e as aulas na universidade. Essa Fase da exploração é marcada por desafios e por dificuldades, mas também é cheia de encantos e paixões.

Na mesma medida que descobrem as agruras do começo, também os docentes no início da carreira são arrebatados por experiências no cotidiano da vida escolar que delineiam e os enchem de esperança sobre a Educação. Digo sobre os momentos sublimes de ensino para as turmas, sobre os relatos de aprendizagem dos alunos, sobre os inúmeros bilhetes, cartinhas, depoimentos que a ação do professor abriu horizontes, portas e sonhos para os estudantes. Quem no início da carreira não se emocionou numa formatura? Quem não recebeu com os olhos marejados um bilhete de agradecimento de um pai ou de uma mãe? Quem não recebeu palavras de apoio de um colega mais experiente que lhe consolou num momento de incerteza ou equívoco pedagógico. Esses momentos de encantamento na fase de exploração da carreira certamente são mais significativos que as dificuldades que os novos professores passam.

Para a pesquisadora Chakur (2005) em artigo declara que: 

Os trabalhos de Huberman (1995) e Cavaco (1995), já bastante conhecidos como estudos que retratam o desenvolvimento profissional de professores, têm se constituído em marcos de referência sobre o tema, tratando a ideia de que existem certas tendências gerais no ciclo de vida dos professores, que comporta uma sequência de fases cuja ordem obedece ao tempo de carreira. (CHAKUR, 2005, p. 398).

São essas tendências gerais apontadas que conseguem nos explicar sobre esses primeiros anos na carreira, e ainda de acordo com Chakur (2005):

Assim, segundo Huberman (1995), o professor passa por uma fase inicial de sobrevivência e descoberta, com a entrada na carreira, que traz o sentimento de choque da realidade, mas implica em explorações e experimentações; em seguida, vem a do comprometimento definitivo ou estabilização, que ocorre entre 4 e 6 anos de carreira e favorece sentimentos ao mesmo tempo de independência e de pertença a um corpo profissional(…) (CHAKUR, 2005, p. 398).

Já é nesse sentimento de estabilização e comprometimento definitivo que o professor começa a aplicar o conhecimento aprendido junto às percepções críticas vivenciadas nos anos iniciais da carreira. É nessa fase que o docente luta pela carreira, aprende a se envolver nas pautas sindicais, avança nos atendimentos às famílias e, por vezes, é visto como um sonhador, um ingênuo, ou mesmo alguém que ainda mudará com o tempo. É comum nessa fase o professor ouvir que ele é “muito inovador”, que as aulas dele “são criativas demais”, e que “não adianta que não vai mudar o mundo”.

Nessa etapa o professor já consegue se colocar diante do grupo docente, pertencer e estabelecer seu próprio ritmo de trabalho, por vezes anima e arregimenta outros docentes. De fato, é um momento de muita ambiguidade entre ser um professor que resiste e ainda inspira.

É a saída das dificuldades dos anos iniciais para a Fase de estabilização. É a confirmação sobre as expectativas que o licenciando tem e do choque de realidade que o docente se submete nos anos iniciais. Marcelo e Vaillant (2009)  sinalizam:

Lá inserción professional en lá enseñanza es el período de tiempoque abarca los primeros años , en los cuales los profesores han de realizar la transicíon desde su condición de estudiantes a su nueva condición  de docentes. Es un período de tensiones y aprendizajes intensivos en contextos geralmente desconocidos y durante el cual los profesores principaintes deben adquirir conocimento profesional, además de consegui mantener un cierto equilbrio personal. (MARCELO & VAILLANT, 2009, p. 49).

Esse período de ingresso na carreira e no exercício do magistério, como apontado por Marcelo & Vaillant (2009) e Huberman (1995), possui relação direta com a formação dos licenciandos, como a pesquisa de Cruz & Hobolt (2019) apontam. As expectativas e a avaliação dos alunos de graduação nem sempre são positivas sobre as práticas e as abordagens metodológicas durante o curso.

(…) consideraram que suas expectativas não foram atendidas, as razões, colocadas em diferentes modos, apontaram para um aspecto especial: a relação entre  teoria e prática. Esse grupo considerou que a teoria ocupou um espaço demasiadamente grande na organização do curso deixando pouco espaço para prática. (CRUZ & HOBOLT, 2019, p. 249.).

Fica evidente que a dificuldade do exercício do ofício está na ausência de formação prática, ou nos estágios ou mesmo nas disciplinas de metodologia, no limite, podemos afirmar que grande parte dos professores aprendem a lecionar depois que saem dos seus cursos de graduação. É no exercício profissional da docência que os sujeitos vão se forjando professores. Com uma orientação do coordenador aqui, com uma ajuda de uma professora ali, diante da percepção frustrada de uma aula que a estratégia não deu certo. Isso não pode ser visto como culpa do professor, pois é resultado de uma complexa equação que tem como um dos elementos a política nacional de formação de professores.

É necessário também, ao menos, citar que a política de formação de professores, suas mudanças e proposições contribuem para a alteração das expectativas, das metodologias e, sobretudo, para a mudança do modelo de profissional formado.

Para compreender esse aspecto, a pesquisa da professora Campos (2003) coloca à luz como o deslocamento da política de formação de professores a partir dos anos 1990 altera substancialmente o que vem sendo construído como modelo formativo, por amplo conjunto de especialistas em Educação no Brasil, e estabelece novo modelo de formação, ou seja, deixa o perfil de professor reflexivo e implementa a retórica do professor competente.

Considerando esse contexto, retomar esse deslocamento conceitual que é implementado como política de formação no Brasil e em outros países é para justificar que a formação dos professores também é resultado dessa alteração da política de formação docente.

Para Campos (2003), a documentação legal, nacionais ou de secretarias estaduais, “teve como objetivo não apenas oferecer novas concepções e imagens da docência, mas, sobretudo, ressignificar as práticas de formação e de ação do professor”. Esse movimento, que alterou o sentido da formação ofertada, também estabeleceu um novo formato para o profissional da educação.

A exemplo de outros países, a reforma brasileira também buscou estabelecer, na formação inicial, as bases para a construção de um outro tipo de profissional da educação, cuja legitimidade social não repousa mais nos conhecimentos que possui e transmite, mas nas competências que constrói e que o habilita para o convívio com situações cada vez mais complexas e incertas. (CAMPOS, 2003, p. 87).

Campos aponta como os documentos oficiais alteraram do professor reflexivo para o professor competente, numa lógica empresarial. Independente da rede que o professor atua, seja ela pública ou privada, esse conjunto de competências esperado para a atuação do “bom” professor hoje é resultado desse deslocamento teórico das últimas três décadas.

“O trabalho do professor inclui competências de um profissional intelectual que atua em situações singulares. Para tanto, o domínio teórico do conhecimento profissional é essencial, mas não suficiente. É preciso saber mobilizá-lo em situações concretas, qualquer que seja sua natureza. A produção do conhecimento teórico exige competência de construir um discurso sobre a prática.” (MEC/SEF, 1998, p. 36).

De acordo com a análise de Campos, a formação dos professores após a mudança política assume três preceitos:

“a) na noção de competência, que se baseia na ideia de ação e desempenho; tal preceito implica uma concepção de aprendizagem dinâmica, processual e vivencial.

b) em uma concepção de aprendizagem contextualizada, valorizando-se a dimensão vivencial dos processos de aquisição de conhecimentos;

c) na superação da dicotomia que opõe conhecimentos e competências, uma vez que se considera que a aquisição de competências é requerida para a construção de conhecimentos”. (apud CAMPOS, 2003, p. 95.)

Os preceitos assumidos pelo MEC na mudança de política de formação, além de alterar a lógica construída nas décadas anteriores, não garantiram que as expectativas dos estudantes se realizassem, ou seja, a política implementada não conseguiu formar nem o profissional competente que não mais encontrasse em seu início de carreira as dificuldades apontadas por Huberman nem permaneceu formando o professor reflexivo. Criou-se um vácuo de construção de identidade formativa com exercício de ofício.

É muito comum ouvir relatos de professores, honestamente dizendo: “mas eu não me formei para isso”, “eu não vi esse conteúdo na graduação”, “eu não sei lidar com o aluno em situação de inclusão”. Quando o professor expressa essa situação, argumentação, não podemos desconsiderar, além das narrativas serem reais, precisamos compreender essa incongruência entre processo formativo e processo de profissionalização. Assumir lacunas na formação universitária e, por vezes, em diferentes etapas da carreira é um reconhecimento honesto dos professores que não receberam as formações que porventura possam ser requeridas.

A relevância da continuidade da formação dos professores é singular e profundamente necessária.

 Marcelo & Vaillant (2009) nos indicam que na formação inicial podemos criar novos professores e alterar as crenças que os fazem reproduzir os modelos de ensino que receberam. 

En la formación inicial docente tenemos a oportunidad de crear nuevos docentes apasionados por la ensenânsa, o bien podemos simplemente contribuir a um sistema reproductor que no haga más que confirmar lãs creencias que los futuros profesores ya traen consigo cuando ingresan a la institución formadora. (MARCELO & VAILLANT, 2009, p. 49).

É no cotidiano escolar que o docente continua seu processo de formação, e isso não ocorre necessariamente com matrículas e/ou  inscrições em cursos, é na lida cotidiana, na orientação de docentes que já estão em outras etapas, é no trato generoso de gestores e pares que o docente das primeiras fases da carreira vai se sentindo cada vez mais seguro, vai solidificando seus saberes acadêmicos em práticas de ensino que são eficiente com os alunos.

Assim, “(…) é impossível compreender a natureza do saber dos professores sem colocá-lo em íntima relação com o que os professores nos espaços de trabalho cotidianos são, fazem, pensam e dizem”. (Tardif, 2002, p.15) Nessa direção, Tardif (2002) procura situar o saber do professor na interface entre o individual e o social, e como um saber plural, compósito e heterogêneo, visto que envolve conhecimentos e um saber-fazer muito diversos.

É no cotidiano da sala dos professores que os jovens docentes tiram suas dúvidas, relatam suas frustrações e encontram colegas que indicam caminhos, acolhem, passando confiança e apontando possibilidades de acertos.

É justamente nesse momento silencioso que os professores se unem independente da etapa ou fase da carreira que se encontram e movidos por causas justas a favor do conhecimento e da aprendizagem dos estudantes que estas simbioses formativas ultrapassam os diplomas, os pontos de evolução da carreira e adentram a mente e os corações. É assim que forjam os professores, entre um café e uma bolacha, entre um desabafo sobre uma turma e um sonho de um novo projeto. No compartilhamento de textos, experiências e sonhos…

“… O movimento entre o que se espera de um profissional e como esse profissional responde a essas expectativas assume a forma… de uma tensão permanente entre atos de atribuição e pertença”. (DUBAR, 2005).

É com essa busca constante que as identidades são forjadas, descobertas, assumidas, construídas e reconstruídas, feitas e refeitas, cerzidas e ajustadas ao tamanho que cabe em cada corpo, mente e coração dos professores.

Referencial bibliográfico:
MARCELO, C. y VAILLANT, D. El proceso de transformarse em docente. In: MARCELO, C. y VAILLANT, D. Dessarrollo profesional docente. Como se aprende a ensenãr? Madrid – Es: Narcea, 2009, p. 47-63.
CRUZ, GISELI B. DA e HOBOLD, MARCIA. Práticas formativas de professores em cursos de licenciatura: diferentes estratégias para ensinar. In: ANDRÉ, M.(Org.) Práticas innovadoras na formação de profesores. Campinas-SP: Papirus, 2016, p. 237-262.
CAMPOS, R.F. Do professor reflexivo ao professor competente. Os caminhos da reforma da formação de professores no Brasil. In: MORAES, M.C.; PACHECO, J.A. E EVANGELISTA, M.O. Formação de professores. Perspectivas educacionais e curriculares. Porto- Pt: Porto, 2003, p. 83-103.
HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. Em A. Nóvoa, (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1995, PP. 31-61
BOURDIEU, Pierre. “Estrutura, habitus e prática”, pp. 337-361 in A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.
TARDIF, M. e RAYMOND, D. 2000. Saberes, tempo e aprendizagem no magistério. Educação e Sociedade. Campinas: Unicamp/ Cortez/ Associados, v. 21, n. 73, dezembro/2000.
TARDIF, M. 2002. Saberes docentes e formação profissional. Rio de Janeiro: Vozes.DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto, Porto Editora, 1997 (coleção ciências da educação) (São Paulo, Martins Fontes, 2005. Original francês de 2000).

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