Conteúdo formativo Professor

A escola intermitente

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 4min 55seg

17 de fevereiro de 2021

O currículo terá de ser simplificado ou adaptado para garantir a continuidade pedagógica de muitos alunos, tornando a escola mais flexível e, portanto, mais adaptável

A evolução da pandemia nas diferentes sociedades está testando a resistência de toda a população em múltiplos aspectos: econômicos, trabalhistas, psicológicos, sociais e de saúde, entre outros. Alguns setores tiveram de enfrentá-la com maior proximidade e risco para evitar contágio. Mesmo alguns deles, como a saúde, epicentro da intervenção preventiva e paliativa, sentiram o esgotamento e os efeitos do estresse ao extremo do desequilíbrio. Como não poderia deixar de ser, o mundo educacional também respondeu. E se a princípio administrou o confinamento escolar com incertezas, a distância e tendo de responder rapidamente às mudanças e à demanda, então teve tempo para refletir, ler e organizar as necessidades que surgiram e os efeitos medidos, de forma a ajustar uma resposta mais estruturada, segura e coerente na nova escola que queremos ou que possamos ter.

Com efeito, pensamos que a nova escola deve ser face a face, para que possa ser uma escola. Uma tela não é uma escola, o que não diminui nem um pouco a necessidade de digitalização. Mas a mensagem implícita desta pandemia, de que as outras pessoas com quem interagimos são uma possível ameaça à nossa própria saúde, é uma mensagem devastadora para a convivência face a face, especialmente para a escola, onde os professores sabem que é impossível (difícil?) manter as medidas de segurança o tempo todo (grupos, salas de aula, corredores, recessos, refeitórios, transporte, …) com as relações professor/aluno, vagas disponíveis e disponibilidade atual de professores. Na Espanha, muitas equipes de gestão escolar afirmam que não poderão garantir as orientações que as administrações públicas assinalaram como adequadas para o regresso às aulas. Isso nos desenha uma paisagem de presença, confinamento ou semipresença que nos faz ver uma escola intermitente.

A nova escola deve curar muitas feridas e lacunas causadas pela evolução desta pandemia em nossos alunos e professores. Terá de compensar mais e melhor as desigualdades tecnológicas dos menores e seus ambientes para garantir oportunidades para todos. O currículo terá de ser simplificado ou adaptado para garantir a continuidade pedagógica de muitos alunos e o progressivo avanço dos mesmos, tornando a escola mais adaptada e, portanto, mais adaptável. Deve ser um espaço ativo de colaboração com as famílias também para facilitar e possibilitar níveis de alimentação, proteção, vínculo, apoio e acompanhamento, principalmente entre os mais vulneráveis. Será necessário fortalecer redes de apoio (estruturas e equipes) dentro das escolas de adultos e menores que ajudem a enfrentar os problemas de ansiedade, depressão, solidão, medo, estresse ou desconexão (saúde mental) já ocorridos. E que vão acontecer nesta nova escola, às vezes presencialmente e a distância. Isso exigirá ser capaz de preencher algumas lacunas afetivas e emocionais promovendo uma pedagogia de cuidado e apoio. E essa mentoria deve ser estendida também aos acadêmicos, ajudando a organizar os horários de trabalho e estudo e promovendo o trabalho colaborativo e o networking.

Sem dúvida, será uma escola que terá de se tornar mais versátil e adaptada à realidade de uma sociedade cada vez mais líquida e com uma evolução mais incerta, com desafios como sustentabilidade, decrescimento, independência de pensamento ou não discriminação.

Esta nova escola é também desafiada por outra das mensagens implícitas que esta pandemia deixa para toda a sociedade. É a interdependência pessoal e intergeracional que nos torna todos participantes numa jornada comum interligada que devemos partilhar com respeito, na qual o sentido de nossas ações acaba impactando o bem-estar alheio, por meio de uma cadeia de causa-consequências. Isso faz com que seja necessário implantar ainda mais na escola o trabalho de convivência escolar e valores morais, e a construção explícita e intencional no currículo dos jovens de conquistas como a empatia, a solidariedade ou o respeito aos direitos dos outros. Debater a independência pessoal dos direitos individuais versus a interdependência coletiva dos deveres. Ou seja, até que ponto presumo mudar individualmente para tornar o coletivo mais sustentável, possível e saudável. Uma formação necessária para a convivência democrática, sem dúvida, ainda pendente.

E devemos continuar a fazer tudo isso com nossos alunos em nossas escolas quando voltarmos. Portanto, vamos montar um plano coerente que capture essas ideias. Vamos organizar o reencontro, para fazer uma catarse na experiência, para expressar e compartilhar coletivamente que estamos juntos fisicamente novamente, reiterando nosso desejo de mudança e consciência da interdependência. Esse projeto será inevitável nas escolas. Isso significa transferir o eixo da programação para as competências educacionais, nas possibilidades dos alunos de enfrentá-las e em sua funcionalidade formativa. Dando a eles a palavra em uma escola da qual eles gostam e à qual pertencem. Levar os alunos a pensar e ensiná-los a fazê-lo, de forma crítica, traçando acordos que lhes permitam viver em paz, sem discriminação ou violência e respeitando as diferenças. Esse será o aprendizado que esta nova escola necessária lhes trará, assegurando-lhes independência de pensamento como forma de viver de forma positiva. Valores democráticos, enfim, da sociedade de que precisamos e que ainda não temos.

José Maria Avilés Martínez é doutor em Psicologia e professor da Universidade de Valladolid, na Espanha. Referência global em pesquisas sobre bullying e cyberbullying.


Conteúdo originalmente publicado na Revista Educação – Setembro de 2020.

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