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Profissão Professor: A Criatividade na Formação Docente

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 13min 6seg

28 de julho de 2020

Faça uma aula diferente! Acredito que muitos professores já ouviram essa afirmação. Quando ouvimos essa frase, logo a palavra criatividade aparece em nossas falas e angústias: “Preciso ser mais criativo. Estou precisando de criatividade. Preciso fazer algo novo.” Também ouvimos: “Seja criativo! Use tecnologia! Faz colorido!” E, quando perguntamos: O que é uma aula diferente? Muitas vezes, a resposta é “uma aula criativa!”. Toda essa conversa é no mínimo confusa, não é mesmo? Mas, mesmo sem entender o que seria essa aula diferente, colocamos nosso cérebro para trabalhar.

Precisamos compreender que as palavras “novo”, “diferente” e “criatividade” são subjetivas e possuem relação direta com o repertório cultural de cada pessoa. O que é diferente para você, pode não ser diferente para mim. O que é novo para uns, pode não ser novo para outros. E é essa subjetividade que nos provoca a evoluir no campo das ideias e nos move para que possamos vivenciar situações que ampliam nosso repertório cultural.

Ter boas ideias é cada vez mais uma necessidade no mercado de trabalho ou em qualquer área profissional, assim como, na vida pessoal (CHRYSIKOU, 2013). Esta necessidade se amplia a medida em que passamos por processos de transformações em busca de desenvolvimento da sociedade. Porém, não podemos ficar apenas no campo das ideias, há a necessidade de colocá-las em prática.

Criar não é algo simples. A criação envolve processos muitas vezes lentos, difíceis, com erros e fracassos. Kevin (2016), aponta que não há magia na criação. Criar envolve conhecimentos e sentimentos. Tem dias que nossas ideias fluem mais, é quando dizemos que estamos inspirados. Em outros momentos, parece que as ideias não vêm e nossas emoções e sentimentos envolvidos com os fatores de ordem física, social, cultural, entram em jogo. Criar precisa também de clareza nos motivos que estão envolvidos na criação e também foco e apropriação dos objetivos que estamos querendo alcançar. Não podemos confundir criação com criatividade. Nem toda criação é criativa. Criatividade é um julgamento, uma atribuição de valor, possível de ser realizado ao analisarmos a criação. Para podermos falar sobre criatividade, precisamos ter clareza no seu significado e também nas múltiplas dimensões que envolvem essa palavra.

Criatividade: Uma única palavra para uma multiplicidade de definições

São várias as dimensões que cercam o termo criatividade, surgiram muitas definições e visões na busca por um entendimento amplo sobre o tema. Não há um único conceito de criatividade. Taylor (1976) encontrou mais de cem definições distintas, o que nos indica a complexidade deste termo. Segundo Bahia e Nogueira (2005), o homem tem sempre questionado o ato criativo, mas ainda não conseguiu uma compreensão plena e uma definição completa, o que não impede de se reconhecer a capacidade e necessidade de criar do homem e a sua importância crescente no cenário mundial, na vida de cada um, no contexto social e no progresso da humanidade.

É importante evidenciar que a criatividade passou a ser investigada pela Psicologia na década de 50 e a partir de então, muitas definições surgiram. Para Anderson (1965), a criatividade representa a emergência de algo único e original. Stein (1974) considera que a criatividade é o processo que resulta em um produto novo, que é aceito como útil, e/ou satisfatório por um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo. Noller (1977) também corrobora esta ideia, porém enfatiza a importância do “produto novo” para quem cria, afirmando que a criatividade é a emergência de um produto novo, relevante pelo menos para a pessoa que cria a solução, constituindo-se numa atitude que implica conhecimento, imaginação e avaliação.

Há ainda, as definições que integram o conceito de criatividade à resolução de problemas. Gardner (1994) aponta a criatividade como o que leva um indivíduo a resolver problemas, desenvolver novos produtos ou propor novas questões dentro de um domínio, de modo que aquele produto que inicialmente foi considerado não usual, é, eventualmente, aceito dentro de, no mínimo, um grupo cultural. Vervalin (1980) também envolve problemas em sua concepção, afirmando que:

Criatividade é o processo de apresentar um problema à mente com clareza (ou seja, imaginando-o, visualizando-o, superpondo-o, meditando, contemplando etc.) e logo originar ou inventar uma ideia, conceito, noção ou esquema segundo linhas novas ou não convencionais; supõe estudo e reflexão mais do que ação. Para a autora, a criatividade resulta da combinação de processos ou atributos que são novos para o criador.

Ao buscarem relacionar problemas com a busca de soluções novas para o criador, Vervalin (1980) e Gardner (1994) enfatizam que, nesta abordagem, a imersão no processo de desenvolvimento é fator proeminente para que o novo possa surgir, sendo a criatividade não apenas o produto final mas todo o processo.

Apesar de haver inúmeras definições para o termo, Wechsler (1999, p.32) afirma que há um consenso de que a criatividade tem “[…] um aspecto multidimensional, envolvendo a pessoa, o processo, o produto e o ambiente, estando todas essas dimensões em uma interação contínua e que combinadas, podem contribuir para a realização pessoal e profissional de um indivíduo”. Diante desse aspecto multidimensional, Virgulim (2007) corrobora a ideia de Wechsler (1999) afirmando que as pesquisas sobre esse assunto têm enfocado em quatro categorias: a pessoa, referindo-se às características cognitivas, qualidades emocionais e de personalidade e experiências ao longo da vida; o produto, avaliando se este é novo, tem valor ou utilidade social e causa impacto; o processo, diz respeito ao desenvolvimento de um produto criativo; e o ambiente, elementos ambientais envolvidos na promoção ou inibição de habilidades criativas, como fatores de ordem física, social, cultural etc.

Para Lubart (2007), também há uma definição consensual para a criatividade, admitida por pesquisadores da área (MACKINNON, 1962; BARRON, 1988; OCHSE, 1990; LUBART, 1994; STENBERG; LUBART, 1995; AMABILE, 1996). Assim, Lubart (2007, p.16) aponta que este consenso considera que a criatividade é a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova e adaptada ao contexto na qual ela se manifesta.

Aqui, para nós, estamos interessados na análise da criatividade no contexto educacional envolvido no processo de ensino e aprendizagem. Esse processo envolve professores e estudantes (pessoas), metodologias escolhidas (processo), ambiente de aprendizagem (ambiente) e a produção da aula e das criações dos estudantes (produto). É importante evidenciar essas dimensões da criatividade, pois precisamos saber o que ou quem estamos atribuindo valor. Podemos estar observando o ensino criativo, quando o professor é criativo em suas ações. Ou ainda, a aprendizagem criativa, ou seja, quando os estudantes tem a possibilidade de serem criativos no processo de ensino e aprendizagem. Podemos também analisar apenas a criatividade do produto final (apresentações de trabalhos, vídeos criados, cartazes, estratégia utilizada na resolução de problemas etc). A clareza no que está sendo julgado, os critérios que estão sendo utilizados na análise e o repertório cultural de quem julga, constituirá a construção dos argumentos que defenderão se algo ou alguém foi criativo. Quando o julgamento refere-se à criatividade do professor, ou seja, a maneira como ele promove o ensino, precisamos olhar para a trajetória e identidade construída no decorrer de sua profissionalização.

A Criatividade na Trajetória Docente – Nos formamos para promover um ensino criativo?

Ao olharmos para as teorias da criatividade podemos elencar fatores que precisam estar envolvidos na formação dos professores, para que esses possam promover o ensino criativo. A Teoria de Amabile (1996) explica como os fatores cognitivos, motivacionais, sociais e de personalidade influenciam no processo criativo. Para Sternberg e Lubart (1996), a criatividade provém de seis fatores distintos que se inter-relacionam e não podem ser vistos isoladamente: habilidades intelectuais, estilos de pensamento, conhecimento, personalidade, motivação e contexto ambiental. Esses fatores precisam ser inter-relacionados e dependendo de cada situação alguns têm mais evidência que outros.

Habilidades intelectuais Habilidade sintética para ver os problemas de novas maneiras e para escapar dos limites do pensamento convencional;

Habilidade analítica para reconhecer quais ideias valem a pena perseguir e quais não; e

Habilidade prática, saber como apresentar o valor das próprias ideias para outras pessoas.

Estilos de Pensamento Capacidade de formular problemas e criar novas regras e maneiras de se ver as coisas;

Capacidade de implementar ideias, estruturando os problemas de maneira  clara e bem definida;

Emitir julgamentos, avaliar pessoas, tarefas e regras, tendo prazer em emitir opiniões e avaliar as dos demais.

Conhecimento Conhecimento formal e o informal, considerando ambos importantes para a criatividade.

O primeiro seria aquele conhecimento de uma determinada área ou de um dado trabalho que construímos através de livros, palestras ou qualquer outro meio de instrução.

O informal seria aquele que se adquire por meio de dedicação a uma determinada área.

Personalidade Atitude para superar os obstáculos, assumir riscos ​​e disposição para tolerar a ambiguidade.
Motivação Concentração e foco na tarefa também é essencial para a criatividade, uma vez que as pessoas estão muito mais propensas a responder criativamente a uma dada tarefa, quando estão movidas pelo prazer de realizá-la.
Ambiente Promover um ambiente que seja favorável a criação de ideias criativas. Pode-se ter todos os recursos internos necessários para pensar criativamente, mas sem algum ambiental propício, a criatividade de uma pessoa fica inibida.

Ao olhar para esses fatores, devemos nos questionar como eles apareceram em nossa formação docente. Você foi formado para promover um ensino criativo? Há formação para isso? Neste sentido, qual seria o conhecimento necessário para que um professor possa criar atividades, aulas e estratégias que podem vir a ser consideradas criativas? Em que momento da nossa formação, nos ensinaram a criar um ambiente que favoreça a nossa criatividade e a de nossos estudantes? Como na sua trajetória de profissionalização esses aspectos foram abordados?

Perceba, que diversos questionamentos podem ser feitos para analisar a formação docente para o ensino criativo. Olhar para trás, conhecer esse professor e a trajetória dele para, a partir disso, pensar em como podemos juntos, no ambiente escolar, relacionar esses fatores e as individualidades dos docentes é uma necessidade emergente para que as escolas possam promover o ensino criativo. Não adianta avaliar a criatividade do professor na elaboração de suas aulas, sem considerar o caminhar profissional desse professor. Quando resolvemos julgar a criatividade do indivíduo, precisamos olhar para o aspecto do crescimento profissional dele ao buscar criar algo, primeiramente diferente para ele. Ao pensarmos assim, estamos levando em consideração a definição de criatividade proposta por Noller (1977) “criatividade é a emergência de um produto novo, relevante pelo menos para a pessoa que cria a solução, constituindo-se numa atitude que implica conhecimento, imaginação e avaliação”. Porém, a criatividade não é apenas um autojulgamento. Há também que se considerar que a criatividade pode ser um julgamento social, envolvendo a comunidade educativa.

Uma aula não se faz sozinho. Por mais que o professor esteja em constante formação e buscando atualizações, há a necessidade de promover o ensino criativo e em conjunto com os estudantes, a aprendizagem criativa. Dessa maneira, a criatividade deixa de ser característica do indivíduo e passa a ser dos sistemas sociais que fazem julgamento sobre os indivíduos. Csikszentmihalyi (1999, p.314) aponta que a criatividade é um fenômeno construído por meio de interações entre produtores e audiência. Nesta perspectiva, criatividade não é produto de indivíduos singulares, mas fruto de sistemas sociais que fazem julgamentos sobre estes indivíduos e seus produtos. A dimensão social é que vai significar a criatividade, em uma perspectiva sistêmica, onde cada sujeito é relevante para o processo de reconhecimento, validação e valorização da criação.

Aprendizagem Criativa e a BNCC

Atualmente, com o avanço tecnológico, os docentes são cobrados por inovações metodológicas com uso dos equipamentos que estão sendo inseridos no ambiente escolar. Diante deste cenário, cada vez mais, a criatividade do professor é elemento fundamental no processo educativo devido à necessidade de atualização da escola e à demanda de uma sociedade em permanente transformação (MOURÃO; MITJÁNS MARTINEZ, 2006). Com isso, os professores estão sendo cobrados para formar cidadãos criativos e que saibam trabalhar com as tecnologias digitais.

Quando falamos da inserção das tecnologias digitais nas aulas, não basta apenas inseri-las para que a aula seja criativa. Muitas pessoas confundem criatividade com uso de tecnologias digitais. Ao pensarmos na utilização de recursos tecnológicos, precisamos ter intencionalidade pedagógica, para que a tecnologia contribua com o que é o nosso foco: a aprendizagem do estudante. O fato de utilizarmos um software ou aplicativo, ou ainda utilizar o celular em sala de aula, isso não é garantia de um ensino criativo. O que você vai propor, como vai organizar sua estratégia e como vai ser a participação dos estudantes, o envolvimento, as discussões e todo o processo é que ao final da aula, todos terão condições, dentro do que compreendem sobre criatividade, de atribuir valor criativo ou não ao que foi realizado. Quando os estudantes pedem uma aula diferente, eles têm como referência a aula que você vem realizando durante o ano. Por isso a importância de realizar autocritica e auto avaliação das nossas ações. Não iremos criar uma aula criativa. Iremos criar uma aula e o primeiro julgamento será o da comunidade escolar.

Estamos vivenciando mudanças nos currículos das escolas e temos a oportunidade de promover o protagonismo da aprendizagem. A Base Nacional Comum Curricular, valoriza a aprendizagem criativa, quando os estudantes tem a possibilidade de serem criativos no processo de ensino e aprendizagem. Diante deste cenário, a formação inicial e continuada dos professores precisam, urgentemente, olhar para o desenvolvimento da criatividade do professor, olhando para aspectos cognitivos, técnicos e socioemocionais. Na profissão professor, ser criativo é uma questão de escolha. Todos temos potencial para isso, mas é preciso envolvimento com a formação, precisamos aprender a aprender e valorizar as oportunidades de ampliação de repertório cultural.

Já em relação a “aulas diferentes”, o professor também faz escolhas, como por exemplo, escolhas metodológicas, mas a criatividade é julgada socialmente e não depende apenas do professor ser criativo, mas sim, das escolhas intencionais que ele fizer para acolher e valorizar os estudantes em um ambiente que promova o protagonismo da aprendizagem.

Referências Bibliográficas
AMABILE, T. M. Creativity in context. Boulder, CO: Westview Press, 1996.
BAHIA, S.; NOGUEIRA, S. I. (Org.). Entre a teoria e a prática da criatividade. Lisboa: Relógio d’Água, 2005.
CHRYSIKOU, E. G. Como cultivar processos mentais para expandir a criatividade. In: LEAL, Glaucia (Org.). Mente e cérebro: A descoberta da criatividade. São Paulo: Duetto, 2013.
GARDNER, H. Cinco Mentes para o futuro. São Paulo: Artmed, 2007.
KEVIN, A. A História Secreta da Criatividade. Editora Sextante; Edição: 1ª, 2016.
LUBART, T. Psicologia da Criatividade. Porto Alegre: Artmed, 2007.
MOURÃO, R. F.; MITJANS MARTÍNEZ, A. A criatividade do professor: a relação entre o sentido subjetivo da criatividade e a pedagogia de projetos. Psicologia Escolar e Educacional, p. 263-272, 2006.
STERNBERG. R.J. & LUBART, T. I. Investing in creativity. American Psychologist, 1996.
TAYLOR. Psychological Sources of Creativity. The Journal of Creative Behavior Volume 10, 1976.

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