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A trama do conhecimento

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 11min 51seg

1 de outubro de 2021

A construção do conhecimento é considerada como algo dinâmico e edificada por cada indivíduo pelas diferenciadas e múltiplas relações internas e externas. Dentro dessa lógica das relações, ao longo do processo de apreensão do conhecimento, a aquisição se dá pela participação de sujeito ativo para que se concretize de forma efetiva. Quanto mais interativo, maior será a probabilidade de uma edificação sólida.

Na escola, as disciplinas podem ser entendidas como fios disciplinares, ou seja, Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais, com suas informações e conteúdos apresentados, devem ser discutidas e mescladas de maneira conjunta com elementos e questões emergentes na tessitura do conhecimento. A proposição de estratégias e atividades, visando favorecer possíveis mudanças de comportamento frente às questões e problemas relacionados ao ensino, são fundamentais para a escola, principalmente quando aliados ao pulso contextual dos estudantes, introduzindo essas “verdades estudantis” nas discussões e produções relacionadas aos conteúdos no cotidiano escolar.

Em relação à questão ambiental apresentada e discutida no estudo, a vida útil permitida aos objetos utilizados e descartados pela sociedade, assim como os diferentes materiais criados pela tecnologia no mundo, depende da capacidade de cada indivíduo em observar, compreender e transformar cada um desses objetos. As serem reaproveitados e reintegrados, necessita-se primeiramente de uma sensibilização para a observação sobre as diferentes possibilidades de interferências nos espaços, permitindo a mudança e transformação de comportamento.

A partir de ações interventivas diferenciadas nos espaços e nos ambientes favorecidos por discussões acerca da responsabilização social sobre o que, como e por que algo é feito, considerando a teoria da complexidade, poderão surgir rupturas dos estados de inércia e de acomodação da sociedade frente às diferentes realidades e emergências, licenciadas pela capacidade de reflexão e ação do homem para o rompimento com as invisibilidades e silenciamentos mimetizados pela humanidade.

A pesquisa-ação como um processo de intervenção articulada por interlocuções favoreceu espaços e ambientes dotados de fluxos dialógicos entre os agentes sociais que construíram e teceram os resultados contextuais.

A escola, segundo Candau (2006), deve ser um local que favoreça o diálogo entre os diferentes tipos de saberes e que articule o equilíbrio entre as diferenças na estruturação de uma sociedade cidadã, movida pelo reconhecimento e respeito às diversidades, sobretudo por aquelas relacionadas ao ambiente e à natureza. O estudo contou com diversos momentos para a produção das representações das crianças, partindo de um ponto inicial de reflexão acerca do tema, o pulso contextual e o problema ou inquietação na proposição de construções de elementos representativos.

Em relação a leitura e representação de imagens, Hernández (2007) afirma que as representações visuais sofrem influência das representações imagéticas, tendo em vista a relação de propagação e construção do imaginário coletivo entre a imagem que é vista e percebida e a formação de opinião. Para ele, o que se vê influência o pensamento, os valores, o comportamento e, especialmente, o modo de viver e estar no mundo, permitindo a subjetividade e inferências sobre o que se conhece, ouve ou lê. Hall (1997, p. 15), assevera que “representar é usar a linguagem para dizer algo significativo ou representar o mundo de forma significativa para outrem”.

Na arte, a obra é inspirada e produzida pela doação de um sentimento e tem o poder de transcendência e de transposição, permitindo a suspensão criativa como parte da própria identidade, elaborando-a no transbordamento livre e após a construção da representação do expressivo. Dessa forma, recoloca cada indivíduo de uma maneira diferente em seu estar, em um novo tempo e um novo espaço.

As crianças pesquisaram árvores em seus quintais e cada criança escolheu uma para que o nome fosse escrito em uma faixa fixada junto à testa, o que favoreceu processos relacionais, sobretudo, quando a justificativa da escolha remeteu a uma dimensão de historicidade e afetividade. Ao “incorporar” a árvore ou trazê-la para o corpo criou-se naturalmente uma relação, nascida no momento da escolha, mas sem dúvida gestada na trama do emocional, muitas vezes pela ação do inconsciente.

Em uma das produções, os estudantes confeccionaram cartazes que ficaram expostos no “Varal Ambiental” introduzido na sala de aula, fixados com pregadores e compostos por figuras de jornais e desenhos produzidos pelas crianças. Em alguns desses cartazes foram observadas intervenções interativas com as fotos de jornal.

O estudo propiciou um despertar para a ação em educação sensibilizada em relação à atenção e cuidado com o ambiente, favorecendo reflexões das crianças e dos professores a respeito dos resultados de suas ações na busca por soluções a partir da mudança de comportamento, a fim de minimizá-los ou resolvê-los, reconhecendo-se, dessa forma, que é preciso afetar para mobilizar mudanças e transformações. Ao utilizar-se o desenho como representação do espaço vivo em uma construção das representações sobre o ambiente contextual no meio rural, objetivou-se a ressignificação por meio da percepção visual e expressiva acerca do cotidiano dos espaços locais e de moradia.

É interessante fazer a distinção, na vida, entre utilidade e sentido das coisas e dos objetos, uma vez que a utilidade segue um atendimento específico frente a alguma necessidade pontual, enquanto o sentido manifesta-se pelo incremento de subjetividade e conectividade com os aportes identificadores da expressão e significação, constituidores de cada indivíduo ao buscar, sobretudo, o efeito do saber, relacionando esse saber ao pensamento, ao que se é e ao seu próprio devir.

Segundo Kolck (1984), o grafismo revela a visão subjetiva do sujeito em relação a si e ao seu ambiente, favorecendo um julgamento a respeito do que é importante, sendo também uma forma de projeção da personalidade, da individualidade e do saber coletivo. Nessa mesma linha, em relação ao desenho, Wechsler (2003) assevera que, de igual forma, as emoções e os sentimentos são representados nesse encontro da arte e da comunicação, e registrados desde o início da humanidade. O desenho permite às crianças conhecer e entender as dimensões e as relações efetivadas por elas no mundo e saber como acontece à organização de suas informações, revelando aprendizagens favorecidas pela criatividade e expressão durante o processo de experimentação e representação do imaginário.

A atividade “Desenhos e Lugares” permitiu o registro representativo das crianças em relação aos espaços e aos ambientes nos quais residem, e por meio das produções, conhecer a leitura crítica e emocional que fazem desses lugares. As frases e os desenhos apontaram, segundo a percepção de cada criança, os lugares ou espaços mais bonitos e os menos bonitos. Dentre os registros como menos bonitos figuram residências pessoais, lugares cercados por lixo e devastados por queimadas.

Buscando promover uma reflexão que levasse à ação e ao desenvolvimento de um processo de apropriação contextual e de interferência no tempo e nos espaços ambientais e situacionais, foi realizada uma atividade a partir da leitura visual do livro “Isto não é” de Magallanes (2008). A dinâmica envolveu a ampliação do olhar para além de um discurso imagético, mas, sobretudo imaginativo, criativo e reflexivo, de maneira individual e coletiva. A atividade teve como questão inicial e propulsora à reflexão o seguinte: o que se vê é somente o que se vê ou poderia ser transformado em algo diferente para outras realidades e contextos distintos, como forma de intervenção nos espaços a partir de questionamentos sobre o que já está estabelecido, reorientando dessa forma, em uma direção a um pensamento próprio e autônomo sobre novas possibilidades. Para cada criança foi uma experiência de pensamento e imaginação desvinculados da postura de aceitação do que a imagem ou figura real ou inicial simplesmente apresentava, para transpor e propor uma produção, embora não totalmente diferenciada da ideia básica, baseada no pensar e representar emergidos da concepção, da imaginação e da subjetivação expressiva, por intermédio de sua contribuição como produtora de um novo resultado, para um novo desenho ou figura.

Como discutido anteriormente, algumas crianças consideraram “seus lugares” como desprovidos de qualquer atributo ou atrativos de beleza. Certamente esse fato perpassa por diferentes modos, percepções e até por crenças ditadas e estabelecidas ao longo do tempo seja in locus familiar, escolar ou social. A proposta de se enxergar o que ainda não existe, mas cuja possibilidade é vir a ser, é forjada pelo pensamento e parte de uma prospecção futura de implantação de medidas de mudança sobre o que existe, levando-se a uma postura de mudança da realidade.

As produções textuais, expressivas e artísticas contribuíram significativamente para o conhecimento acerca das realidades locais e relacionais apresentadas, como também no processo de sensibilização e de conscientização cidadã sobre as responsabilidades e condições reais de cada um em relação à transformação e às mudanças cotidianas. A reintegração dos objetos descartados ao cenário da vida pela escola e pelo entorno propiciaram a interlocução sobre esses objetos e a possibilidade de transformá-los, recontextualizando-os no tempo e no espaço da escola.

A produção de texto baseada na reescrita coletiva do poema “Aquecimento Global (Dia da Natureza)”, elaborado e organizado pelos grupos, em versão própria, permitiu o diálogo ativo entre as crianças inseridas em seus grupos, desencadeando de maneira progressiva, a formulação das questões mediante a organização das ideias para uma produção conjunta. O registro escrito foi utilizado por ser um meio da construção de memórias e de sua evocação, solicitando, posteriormente, ao cérebro a mobilização de diferentes estágios de atenção e memorização como, por exemplo, o estado de alerta, o foco e a atenção executiva para a realização da ação, além do sistema límbico, responsável pelo campo das emoções e que age significativamente nesse processo, tendo em vista que pela sensibilização é possível criar relação e vínculo.

A representação utilizando o desenho como leitura da realidade e como meio de expressão e de intervenção de mudança dessa realidade em um ambiente ou situação favoreceu o despertar da sensibilização responsabilizada sobre o que cada criança pode fazer dentro de sua área de alcance física, argumentativa e socioafetiva. Produziu não só o reconhecimento dos problemas ambientais e sociais para as crianças envolvidas, mas também o que pode representar cada saber durante a infância, quando se é capaz de afetar grupos para mudanças de comportamento, permitindo o repensar em relação a si e ao mundo.

A observação do que havia sido descartado pela natureza como os galhos e folhas, do mesmo modo que objetos industrializados como móveis e utensílios sucateados, encontrados nos espaços escolares e do entorno, tendo-se como objetivo a reintegração por meio de uma produção estética para o cenário da temática “Movimentos da natureza”, contribuiu para a criação de uma relação dialógica entre o sujeito ativo e o objeto diante das emergências locais configuradas pelas dinâmicas de transformação e de construções estéticas. Além de permitir a reintegração e reutilização dos objetos na reestruturação e composição contextual, favoreceu concomitantemente, a disseminação do olhar, da leitura e do pensamento sobre o devir de cada material “adormecido pela inércia do descarte” no seu resgate à vida cotidiana diante de novas possibilidades.

Todas as formas e representações manifestadas por meio de leituras, impressões e interpretações geram significados que são vinculados aos olhares e aos pontos de percepção; e nessa concepção, as representações incidem traços, sentidos e significados, conferindo uma digital de identidade e pertencimento. A percepção estética movida pela sensibilidade e subjetivação apropria-se de valores éticos, orientando comportamentos e formas diversificadas de manifestação para a ação, ou seja, é a transitividade da ressignificação estética para a ressignificação ética no acervo cultural e social que envolve a complexidade humana.

A solicitação e o envolvimento dos saberes na órbita da sustentabilidade permitiu o entrelaçamento de informações e de conhecimentos diferenciados sustentados pela historicidade de cada um, pois, como Barbier (1996) aponta em relação aos saberes, é necessário considerar tanto o saber científico como o do coração, sem uma certeza autoritária e julgamentos, acerca de verdades únicas e absolutas, ao abrir-se e relacionar-se com novos e diferentes campos, na lida com os sentidos e significados da vida que acontecem a cada momento.

LIVRO: A ESCRITA DOS SABERES CORPORAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL: TEORIA E PRÁTICA

AUTOR:ALICE MARIA CORRÊA MEDINA

CAPÍTULO SELECIONADO: 6

SINOPSE: Esta obra apresenta uma abordagem teórico-prática para o ensino fundamental, baseada na interlocução entre os conteúdos curriculares e o cotidiano dos estudantes. Propõe a utilização de uma escuta local e estudantil para a relação e incorporação dos conteúdos escolares, por meio de atividades práticas, concomitantemente com as experiências e saberes corporais, desenvolvidos em um ambiente dialógico em função do currículo, dos pulsos contextuais e dos interesses da comunidade escolar.

REFERÊNCIA COMPLETA:

MEDINA, Alice M. C. A trama do conhecimento. In: MEDINA, Alice M. C. A escrita dos saberes corporais no Ensino Fundamental: teoria e prática. 1ª reimp. Curitiba: PUCPRESS, 2018. p. 79-85. Disponível em: https://pucpress.pucpr.br/index.php/pucpress/catalog/book/49.

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