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Por que um clássico é um clássico?

Por Marcia Kupstas

Estimativa de leitura: 4min 59seg

16 de agosto de 2021

O que faz uma determinada história ou personagem permanecer por décadas ou séculos na imaginação das pessoas, em diversas partes do mundo? Quais critérios tornam uma obra um clássico? Será que o autor define o clássico? O público? A crítica? O tempo?

Conheci uma escritora que publicou meia dúzia de livros por uma editora paga. No texto promocional, ela se definia como “Fulana, autora de X, verdadeiro clássico da literatura nacional”. Que a Fulana me desculpe, mas mesmo que seus amigos adorassem o livro, que ela tivesse vendido milhões de exemplares ou as críticas a respeito da obra fossem deslumbrantes, nada disso tornaria o seu livro um clássico.

Quem diz que um CLÁSSICO É UM CLÁSSICO não é você. Não é sequer a crítica da sua época; um best-seller de uma geração pode desaparecer na próxima. Um livro extremamente antenado a fatos do cotidiano pode ser quase ilegível em épocas ou sociedades que não valorizam aqueles acontecimentos. Personagens que são espelhos característicos do hoje nada refletirão amanhã…

E às vezes acontece o contrário. Um livro passa desapercebido entre os contemporâneos e ganha a imortalidade anos depois da sua edição. Foi o que aconteceu, por exemplo, com DRÁCULA, de Bram Stoker (1847-1912). O livro não teve sucesso imediato; depois da morte do autor, uma versão teatral despertou interesse pelo texto e protagonista, a ponto de Hollywood comprar os direitos e filmar a história com o mesmo ator dos palcos londrinos. Foi a consagração de DRÁCULA e do ator Béla Lugosi. Ao sucesso extraordinário do filme seguiram-se outros, a “draculamania” se espalhou pelo planeta, com inúmeros seguidores explorando o filão “vampiresco”, em outros livros, filmes, reportagens.

Seguidores! Essa também é uma das características que define um clássico. Determinada obra agrada a tal ponto, desperta tanto interesse, que surgem outros autores a explorar o estilo, personagem, enredo de sucesso. Curiosamente, podemos até dizer que a inovação de uma obra (seja em estilo, temática, protagonismo etc), a partir da hora em que se multiplica em seguidores ou mesmo plagiadores, acaba por se tornar o convencional. Um exemplo visual: no filme PSICOSE, de Alfred Hitchcock (1899-1980), a protagonista morre na primeira meia hora, em cena dramática no chuveiro. Tudo era extremamente ousado e inovador em 1960; a partir desse sucesso, mil e um filmes de terror e suspense exploraram a ideia, inclusive utilizando o box do chuveiro como espaço apavorante.

Outro elemento, que faz um clássico transcender ao seu tempo e até às intenções do autor, acontece quando personagens viram ícones do que representam. A peça ROMEU E JULIETA, de William Shakespeare (1564-1616), por exemplo, referia-se ao amor dos jovens das famílias Capuleto e Montecchio, em Verona, Itália. Essa história de amor desditoso já era de conhecimento oral e mesmo registrada em DECAMERÃO, de Giovanni Boccaccio (1313-1375), duzentos anos antes de Shakespeare escrevê-la. Portanto, não era um enredo inédito; mas o estilo primoroso do autor inglês, a magnífica caracterização de personagens e de seu sentimento sublime, a empatia que o público sentia com destino trágico dos apaixonados, tudo isso comoveu as plateias elisabetanas e prosseguiu cativando espectadores do mundo todo. A tal ponto que, hoje, “Romeu e Julieta” são símbolos de um casal apaixonado.

Então, o que faz um texto ficar para a eternidade? O que eleva personagens comuns ao papel de ícones mundiais?

Tudo isso: a capacidade de sedução da obra, a ponto de inspirar seguidores; o sucesso, não só imediato mas entre gerações futuras; a caracterização de personagens que extrapola seu perfil e os faz personificar sensações ou atitudes – são bons elementos para definir um clássico.

Claro que, quando uma obra ganha destaque, é comum que surjam traduções para outros idiomas. Este fato, por si, não define um clássico. O tradutor geralmente se mantém muito fiel ao original.

Fidelidade ao original! O que fazer se um clássico envelhece? O tema e personagens prosseguem sedutores, mas o estilo, por exemplo, tornou-se antiquado. Ou valores de época do leitor destoam da época em que o livro foi escrito. Ou ainda o formato da obra é detalhista, excessivo, afasta leitores mais jovens ou menos informados. Neste caso, para que a obra permaneça fresca e atraente, surgem as versões ou adaptações.

Esse trabalho requer a habilidade de manter o essencial da obra, adaptando-a para os novos tempos. Há críticos que questionam esse trabalho, acham que são simplificações que deturpam o original. Outros defendem que é uma maneira de tornar acessíveis temas e obras que, se mantidas no original, se tornariam ilegíveis.

Particularmente defendo as adaptações. Já fiz várias, de livros que admiro: OS TRÊS MOSQUETEIROS, ROBINSON CRUSOE, uma lenda francesa para público infantil, em A PEDRA MÁGICA DO TEMPO. Também recorri a fatos biográficos ou poemas de um autor, no caso, Luís de Camões, em A NAMORADA DE CAMÕES para homenagem e proposta literária. Foram abordagens gratificantes. Acredito que esse trabalho, a partir do clássico, permite ampliar o público a ser alcançado.

Sou uma leitora apaixonada, que gosta de dividir sua paixão com outras pessoas. Muitos livros que li, quando criança, foram adaptações de clássicos. Adulta, pude reler o original e me vi seduzida em ambos os momentos. Se as adaptações (respeitosas à intenção do autor) são uma ferramenta de sedução e difusão, por que não se utilizar delas?

Afinal, os textos – quando alcançam a dimensão de clássicos da literatura – merecem permanecer na nossa imaginação, por séculos e séculos afora.

Marcia Kupstas

Marcia Kupstas é escritora profissional desde 1986. Nasceu em São Paulo, capital, em 1957. Seu primeiro livro, CRESCER É PERIGOSO, ganhou o Prêmio Revelação Mercedes-Benz 1988 e lhe abriu as portas para uma carreira vitoriosa junto ao público jovem. Tem mais de 160 títulos publicados, com mais de 3 milhões de exemplares vendidos. Cursou a Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo e lecionou Literatura e Técnica e Metodologia de Redação em grandes escolas da capital. Em 2016/17 residiu em Portugal, onde pesquisou e publicou o livro BALADA DOS ROCKEIROS MORTOS E ANJOS CAÍDOS (ed. CHIADO BOOKS, 2018). Em 2018/19 foi por rodovias de Rio Branco (Acre) a Cusco (Peru), para pesquisar o enredo de FRONTEIRAS (ed. FTD, 2020). Outros destaques na carreira: É PRECISO LUTAR! (ed. FTD, 1987, Prêmio Orígenes Lessa); A NAMORADA DE CAMÕES (ed. FTD, 2014). Divorciada, tem dois filhos, Igor (nasceu em 1980) e Carla (nascida em 1990). Participa em eventos de literatura como Feiras do Livro e ministra workshops e palestras para professores, junto a secretarias da Educação ou entidades particulares, em todo o Brasil.

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