Conteúdo formativo Professor

O futuro de nosso trabalho remoto

Por FTD Educação

Estimativa de leitura: 28min 59seg

17 de fevereiro de 2021

As melhores práticas para organizações totalmente remotas

Antes de 2020, havia um movimento fermentando nas organizações do ramo do conhecimento. A tecnologia pessoal e a conectividade digital avançaram tanto e tão rápido que as pessoas começaram a se perguntar se de fato precisavam trabalhar juntas num escritório. A resposta veio durante os lockdowns da pandemia. A grande maioria de nós, na verdade, não precisa trabalhar lado a lado com os colegas no mesmo local. Funcionários, equipes, forças de trabalho inteiras podem ter bom desempenho e ao mesmo tempo estar completamente espalhados — e estão. Por isso, agora as perguntas são outras: organizações total ou majoritariamente remotas são o futuro do trabalho do conhecimento? O trabalho remoto (Work-from-anywhere ou WFA, na sigla em inglês) veio para ficar?

Sem dúvida, o modelo oferece benefícios notáveis para as empresas e funcionários. Elas reduzem ou eliminam custos de instalações, contratam e aproveitam talentos globalmente mitigando as questões de imigração e, como mostra a pesquisa, talvez até aumentem a produtividade. Os empregados podem morar onde quiserem, eliminar os trajetos diários de ida e volta e desfrutar de melhor equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal. No entanto, restam dúvidas de como o WFA afeta as comunicações, incluindo brainstorming e resolução de problemas; compartilhamento de conhecimento, socialização, camaradagem e tutoria; remuneração e avaliação de desempenho; segurança de dados e regulamentação.

Para melhor entender como os líderes podem aproveitar o lado positivo do WFA e, ao mesmo tempo, superar os desafios e evitar resultados negativos, analisei várias empresas que adotaram total ou majoritariamente a modalidade remota de trabalho. Algumas delas: o Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos, ou USPTO (com várias centenas de funcionários WTA); Tulsa Remote; Tata Consultancy Services, ou TCS (empresa global de serviços de TI que anunciou seu plano de em 2025 ter 75% de suas atividades remotas); GitLab (maior empresa mundial completamente remota, com 1,3 mil funcionários); Zapier (empresa de automatização de fluxo de trabalho, com mais de 300 funcionários, nos Estados Unidos e em 23 outros países; e a MobSquad (startup canadense que emprega funcionários WFA).

A crise da covid-19 abriu a mente de líderes seniores à ideia de adotar o WFA para toda a sua força de trabalho ou parte dela. Além da TCS, que inclui Twitter, Facebook, Shopify e Siemens, e o Banco Estatal da Índia anunciaram que o trabalho remoto continuará permanente mesmo depois que a vacina estiver disponível. Outra organização que estudei é a BRAC, uma das maiores ONGs do mundo com sede em Bangladesh. Obrigada a trabalhar remotamente este ano, ela está decidindo o modelo de trabalho que vai adotar no longo prazo.

Se sua organização está pensando num num programa de transição ou na adoção do WFA, este artigo pode fornecer um guia.

BREVE HISTÓRIA DO TRABALHO REMOTO

Indiscutivelmente, a transição em grande escala do trabalho tradicional para o trabalho remoto começou com a adoção de políticas de home-office (Work-from-home ou WFH, na sigla em inglês) na década de 1970, quando o aumento do preço da gasolina, provocado pelo embargo do petróleo pela OPEP em 1973, aumentou o custo do deslocamento de casa para o trabalho e vice versa. Essas políticas permitiram que as pessoas evitassem os escritórios físicos preferindo trabalhar em casa, em espaços compartilhados, ou em outros locais como cafeterias e bibliotecas públicas, esporadicamente ou em regime parcial ou integral, com a expectativa de apresentar-se pessoalmente na empresa de tempos em tempos. Os funcionários tinham a opção controlar sua agenda diária, reservando tempo de buscar os filhos na escola, fazer compras ou praticar exercícios durante o dia sem precisar “dar uma escapada” do escritório. Eles gastam menos tempo no deslocamento de casa para o trabalho e, em geral, solicitam menos licenças médicas.

Graças ao advento dos computadores pessoais, da internet, emails, conectividade de banda larga, laptops, celulares, computação em nuvem e videotelefonia, a adoção do WFH aumentou na década de 2000. Como observaram os pesquisadores Ravi S. Gajendran e David A. Harrison em um artigo de 2007, esta tendência foi acelerada pela necessidade de atender, por exemplo, à Lei de Deficientes Americanos de 1990, e às exigências da Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego dos EUA.

As pesquisas mostram melhorias de desempenho. Um estudo de 2015 realizado por Nicholas Bloom e coautores revelou que quando os funcionários aderiram às políticas do WFH, sua produtividade aumentou 13%. Nove meses depois, quando os mesmos empregados tiveram a opção de escolher entre permanecer em casa e voltar ao escritório, os que escolheram a primeira opção mostraram melhor desempenho: sua produtividade tinha aumentado 22% em relação ao período anterior ao estudo. Isso sugere que talvez as pessoas devessem decidir por si mesmas a modalidade de trabalho (casa ou escritório) mais conveniente para elas.

Nos últimos anos, mais e mais empresas permitiram que seus funcionários trabalhassem em casa. É verdade que várias corporações, como a Yahoo e IBM, inverteram esse curso antes da pandemia, solicitando que seus funcionários reassumissem o trabalho presencial na tentativa de estimular mais eficiência na colaboração. Mas algumas organizações, como as que eu analisei, preferiram adotar a flexibilidade de regime, permitindo que alguns ou todos os funcionários, novos e mais antigos, trabalhassem onde quisessem, completamente desvinculados do escritório. A USPTO é excelente exemplo. Seus líderes lançaram o programa WFA em 2012, baseado num programa de WFA da época que obrigava os funcionários a estar presentes fisicamente no escritório central, no norte da Virgínia, pelo menos uma vez por semana. O programa WFA, por outro lado, exigia que os funcionários passassem dois anos na sede da empresa, e depois de uma fase de WFH eles podiam viver em qualquer parte dos Estados Unidos continental desde que concordassem em pagar do próprio bolso as viagens periódicas à sede (ida e volta), totalizando mais de 12 dias por ano. Os analistas de patentes do programa dispersaram-se pelo país, escolhendo viver perto da família, em locais de clima agradável ou de menor custo de vida.

A maioria das empresas que oferece opções de WFH ou WFA mantém alguns funcionários — na USPTO, trainees e administrativos — em um ou mais escritórios. Em outras palavras, as atividades são híbrido-remotas. Mas a experiência de ter todos trabalhando remotamente, forçada pela covid-19, fez com que algumas dessas organizações mudassem estrategicamente para majoritariamente remota, com menos de 50% de sua mão de obra em escritórios físicos. A TCS, por exemplo, com quase 418 mil funcionários, tradicionalmente alocada em escritórios ou nas empresas do cliente pelo mundo todo, decidiu adotar o modelo 25/25: o pessoal passaria apenas 25% do horário comercial no escritório, e de forma alguma a companhia teria mais de 25% de empregados em suas instalações. A TCS planeja completar essa transição em cinco anos.

Mesmo antes da crise, um pequeno grupo de empresas havia adotado essa tendência de forma mais drástica, eliminando todos os escritórios e dispersando todo seu pessoal, desde os recém-admitidos até o CEO. A GitLab adota esse modelo em grande escala: seus funcionários remotos abrangem vendas, engenharia, marketing, gestão pessoal e funções executivas em mais de 60 países.

AS VANTAGENS

Passei os últimos cinco anos estudando práticas e tendências de produtividade de empresas WFA. Os aspectos positivos — para pessoas, empresas e sociedade — são claros. A seguir destaco os seguintes:

Para as pessoas. Foi impressionante descobrir como os funcionários são extremamente beneficiados com esses modelos. Muitos relataram que, para eles, a liberdade de viver em qualquer lugar no mundo era um incentivo importante, particularmente casais com duas carreiras separadas, pois esta dinâmica reduz a preocupação de procurar dois empregos em um único local. Um analista de patentes explicou: “Eu sou casada com um militar, o que significa que vivo num mundo com mudanças frequentes e em constante agitação. Isso impede que muitos cônjuges sigam cada um sua própria carreira por escolha pessoal. O WFA foi o programa de teletrabalho mais interessante que encontrei. Ele me permite acompanhar meu marido para qualquer estado dos EUA de uma hora para outra e seguir minhas próprias aspirações, contribuindo assim para o meu lar e para a sociedade”.

Alguns funcionários mencionaram melhor qualidade de vida. Um funcionário da USPTO explicou: “O WFA permitiu que meus filhos visitassem seus avós regularmente e brincassem com seus primos. Estar mais perto da família melhorou minha felicidade geral”. Outros mencionaram a proximidade com assistência médica para os filhos, acomodação para o companheiro e a possibilidade de aproveitar condições climáticas amenas, paisagens bonitas e mais opções de lazer. Os millennials, em particular, ficaram seduzidos pela ideia de que o WFA lhes permitiria viver na condição de “nômades digitais”: poderiam viajar pelo mundo sem perder o emprego. Antes das restrições causadas pela pandemia, empresas como a Remote Year já se preocupavam em facilitar esse estilo de vida. Alguns países como Estônia e Barbados criaram nova categoria de visto de trabalho para esses trabalhadores. Como comentou um analista de patentes, “o WFA é extraordinário para bem equilibrar a vida profissional e a vida pessoal. Posso morar na parte do país de que mais gosto e tenho mais tempo para relaxar”.

O custo de vida foi outro tema recorrente. Como a USPTO não reajustou os salários de acordo com o local onde os funcionários decidiram viver, um analista de patentes comentou: “Consegui comprar uma casa grande em meu novo local por cerca de um quarto do que custava no norte da Virgínia”. O estado de Vermont e a cidade de Tulsa, em Oklahoma (onde a Tulsa Remote está localizada), envidaram esforços para atrair empregados remotos divulgando sua comunidade e enfatizando o baixo custo de vida. Em São Francisco, o aluguel médio de um apartamento de dois dormitórios é de US$ 4.128. Em Tulsa, é de apenas US$ 675.

O WFA ajudou os profissionais do conhecimento com problemas de imigração e outras restrições a conseguir bons empregos. William Kerr, Susie Ma e eu estudamos recentemente a MobSquad, cujos espaços compartilhados de trabalho em Halifax, Calgary e outras cidades canadenses permitem que tais profissionais com talento contornem os onerosos sistemas de green card e visto para os EUA e obtenham rapidamente permissão de trabalho do sistema Global Talent Stream, do Canadá. Assim eles podem continuar atendendo às empresas e clientes nos Estados Unidos e outros países e, ao mesmo tempo, morar e pagar impostos no Canadá.

Um engenheiro que entrevistamos veio para os Estados Unidos depois de se formar no ensino médio em seu país natal aos 12 anos. Aos 16, ele ingressou em uma universidade americana, onde se graduou em matemática, física e ciências da computação em três anos. Aos 19, estava empregado numa empresa de tecnologia médica graças a um programa de treinamento prático opcional, mas não conseguiu obter o visto H-1B e foi deportado. A MobSquad o transferiu para Calgary, e ele continuou a trabalhar para o mesmo empregador.

Nas entrevistas com funcionárias da BRAC, descobri que as mulheres cuja carreira era limitada por tabus culturais como viajar para locais remotos ou delegar serviços domésticos foram favorecidas pelo WFA. Uma delas nos explicou: eu acordava muito cedo para deixar prontas três refeições para minha família de três gerações. Trabalhar remotamente me permitiu distribuir as tarefas domésticas, dormir um pouco mais e ser mais produtiva”.

Para as empresas. Minha pesquisa revelou ainda muitos benefícios organizacionais dos programas de WFA. Eles aumentaram, por exemplo, o envolvimento dos funcionários — métrica importante de sucesso para qualquer empresa. Em 2013, um ano depois de instituir o programa WFA, a USPTO ocupava uma das posições mais altas entre os Melhores Lugares para Trabalhar segundo pesquisa do governo federal americano. Os funcionários não só estavam mais felizes, mas também eram mais produtivos. Quando Cirrus Foroughi, Barbara Larson e eu avaliamos a transição da USPTO de WFH para WFA, descobrimos que este aumentou a produtividade individual em 4,4%, porcentagem baseada no número de patentes analisadas mensalmente. A mudança também permitiu que os analistas determinassem se o WFA gerava benefícios similares para funcionários que desempenhavam diferentes tarefas em outras organizações ou equipes.

Alguns ganhos gerados pelo WFA são mais óbvios. Menos funcionários no escritório, por exemplo, significa menos espaço e menos custos de investimento em imóveis. A USPTO estimou que, em 2015, o aumento de trabalho remoto economizou US$ 32,8 milhões. E os programas WFA expandiram muito o pool de potenciais talentos, incluindo os que residiam em locais distantes da empresa. Essa foi a principal razão de a TCS adotar o que ela chama de espaços de trabalho seguros sem fronteiras: ela quer garantir que cada equipe seja formada pelos participantes com as habilidades certas, independentemente de onde estejam. Rajesh Gopinathan, CEO da TCS, descreve esse modelo como “talentos na nuvem”, enquanto outros executivos seniores afirmam que provavelmente permitirá que a empresa explorasse nichos de mercado de trabalho no Leste da Europa, onde há uma enormidade de analistas financeiros e cientistas de dados competentes.

Finalmente, o WFA pôde reduzir desgastes. Alguns funcionários da USPTO explicaram que, embora adorassem determinados lugares, reconheciam que neles as oportunidades de emprego eram limitadas. Isso os motivou a trabalhar mais e permanecer mais tempo no Escritório de Patentes. Líderes da GitLab também identificaram a retenção de funcionários como um resultado positivo da decisão da empresa de se tornar totalmente remota. Segundo eles, o benefício líquido, incluindo o aumento de produtividade e economia de gastos com imóveis, chegou a US$18 mil por ano, por funcionário.

Para a sociedade. Organizações de WFA têm capacidade de reverter a fuga de cérebros que, muitas vezes, atormenta os mercados emergentes, pequenas cidades e locais rurais. Na verdade, a Tulsa Remote foi fundada para atrair recém-chegados dinâmicos, diversificados, com mentalidade comunitária para uma cidade que, há um século, se recuperava de protestos racistas históricos. Com oferta de US$ 10 mil para realocar-se em Tulsa, de 2019 a 2020, a empresa atraiu mais de 10 mil interessados para 250 vagas. Obum Ukabam foi um dos selecionados. Quando ele não está trabalhando como gestor de marketing, ele orienta e presta serviço de coaching a uma escola de ensino médio. Recém-chegados talentosos de diversas etnias estão certamente tornando a cidade mais multicultural. Enquanto isso, as transições na USPTO e na TCS trouxeram muitas pessoas de volta para sua cidade de origem.

O trabalho remoto também preserva o ambiente. Em 2018, o tempo médio do percurso casa/trabalho e vice-versa era de 54 minutos, ou aproximadamente 4,5 horas por semana. Eliminar essas viagens — principalmente em locais onde a maioria das pessoas se desloca de carro — reduz significativamente as emissões de carbono. A USPTO estima que, em 2015, seus funcionários remotos percorreram 135 milhões de quilômetros menos do que se tivessem viajado até o escritório, reduzindo tais emissões em mais de 44 mil toneladas.

RESPOSTAS ÀS INQUIETAÇÕES

O escritório — com salas de reunião, áreas de pausa para o café e oportunidades de interação formal e informal— faz parte de nosso estilo de vida há tanto tempo que para nós é difícil imaginar o mundo sem ele. E várias barreiras precisam ser vencidas para tornar o trabalho totalmente remoto não só gerenciável, mas também bem-sucedido. No entanto, a experiência profissional totalmente remota durante a pandemia da covid-19 mostrou a muitas organizações do ramo do conhecimento que, com tempo e atenção, essas preocupações podem ser resolvidas. E nas empresas que pesquisei estão surgindo várias práticas muito boas.

Comunicação, brainstorming e resolução de problemas. Quando os funcionários estão espalhados, é mais difícil conseguir uma comunicação sincronizada. Ferramentas como Zoom, Skype, Microsoft Teams e Google Hangouts podem ajudar as pessoas que trabalham no mesmo fuso horário ou em fusos adjacentes, mas não ajudam as que estão mais afastadas. Em uma pesquisa com Jasmina Chauvin e Tommy Pan Fang, descobri que a mudança do dia para a noite ou vice-versa para economizar tempo causava redução de uma a duas horas na superposição do horário de trabalho (BHO, na sigla em inglês) entre os escritórios de uma grande corporação global. O volume de comunicação caiu em 9,2%, principalmente entre funcionários da produção. Quando o BHO era maior, o pessoal de P&D realizava mais chamadas sincronizadas não planejadas. As reuniões de grupo são ainda mais difíceis de programar, Nadia Vatalidis, do grupo de Operações de Pessoas da GitLab, observa que com membros da equipe espalhados em Manila, Nairóbi, Johannesburg, Raleigh e Boulder praticamente torna-se inviável encontrar um horário para a reunião semanal do grupo.

Créditos: Sejkko

Por isso, as organizações do WFA precisam se acostumar com a comunicação assíncrona, seja via canal do Slack, portal personalizado intraempresas, ou até um documento compartilhado do Google no qual membros da equipe espalhados geograficamente redigem suas perguntas e comentários e esperam que outros membros da equipe em fusos horários distantes respondam na primeira oportunidade. Uma vantagem dessa abordagem é que os funcionários têm maior probabilidade de compartilhar ideias, planos e documentos antecipadamente e receber feedback quase imediato. A pressão para apresentar um trabalho bem elaborado é menor que quando as reuniões de equipes são sincrônicas e mais formais. A GitLab qualifica de irrepreensível este processo de solução de problemas. Os líderes da empresa observam que os funcionários acostumados à cultura de emails, ligações telefônicas e reuniões podem relutar em mudar velhos hábitos. O problema foi resolvido com treinamento durante e depois da contratação. Na Zapier, em um programa chamado ZapPal, cada novo contratado é acompanhado por um colega experiente que monta pelo menos uma reunião introdutória pelo Zoom e continua a acompanhá-lo durante o primeiro mês. Para os brainstormings sincronizados, a empresa utiliza chamadas de vídeo e quadros brancos online como Miro, Stormboard, IPEVO Annotator, Limnu e MURAL, mas também estimula os funcionários a utilizar meios assíncronos de resolver problemas pelo Slack.

Compartilhamento do conhecimento. Este é outro desafio para as organizações completa ou majoritariamente remotas. Colegas distantes não podem se dar tapinhas nos ombros para fazer perguntas ou obter ajuda. Uma pesquisa realizada por Robin Cowan, Paul David e Dominique Foray mostrou que boa parte do conhecimento do local de trabalho não é codificada (mesmo quando deveria ser), mas “está na cabeça das pessoas”. Este é um problema de todas as organizações, mas muito mais para aquelas que adotaram o WFA. As companhias que analisei resolveram o problema com documentação transparente e facilmente acessível. Na GitLab todos os membros das equipes têm acesso a um “manual de trabalho”, que alguns descrevem como “o repositório central de como fazer a empresa funcionar”. Atualmente ele contém 5 mil páginas pesquisáveis. Todos os funcionários são encorajados a contribuir para o manual e ensinar como criar uma página com novo tópico, editar um tópico existente, incorporar vídeos, e assim por diante. Antes das reuniões, os organizadores postam agendas que se ligam a seções relevantes para permitir que os participantes leiam as informações de background e postem perguntas. Posteriormente, atas das sessões são postadas no canal da GitLab, no YouTube, as agendas são editadas e o manual é atualizado incluindo todas as decisões tomadas.

Os funcionários podem considerar o trabalho extra de documentação como um “tributo” e um empecilho no alto nível de transparência necessário para uma organização do WFA progredir. Thorsten Grohsjean e eu acreditamos que os gestores seniores precisam dar o exemplo nesses fronts, codificando o conhecimento e partilhando informações livremente e, ao mesmo, tempo explicar que esses são compromissos necessários para permitir a flexibilidade de alocação.

Outra sugestão é criar transcrições, postar slides publicamente e gravar vídeos de seminários, apresentações e reuniões para criar um arquivo que as pessoas podem consultar a qualquer hora de acordo com sua conveniência. Na reunião anual de 2020, que precisou ser virtual por causa da pandemia, a Academia de Gestão coordenou 1.120 sessões pré-registradas, provavelmente ampliando o fluxo de conhecimento para os acadêmicos — principalmente aqueles em mercados emergentes — muito mais do que seria possível em um evento ao vivo, o que normalmente ocorre na América do Norte.

Socialização, camaradagem e tutoria. Outra grande preocupação mencionada por gestores e funcionários é a possibilidade de eles se sentirem social e profissionalmente isolados, desconectados dos colegas e da própria empresa, principalmente em organizações onde algumas pessoas trabalham remotamente e outras não. Uma pesquisa realizada por Cecily D. Cooper e Nancy B. Kurland mostrou que, com muita frequência, os funcionários se sentem excluídos do fluxo de informações a que normalmente teriam acesso no escritório físico. Sem reuniões presenciais, os gestores podem não perceber sinais do crescente desgaste e disfunções da equipe. Mesmo com as videoconferências que permitem a leitura da linguagem corporal e de expressões faciais, a preocupação é que colegas virtuais têm menor probabilidade de se tornar amigos íntimos porque suas interações frente a frente são menos frequentes. Priyanka Sharma, especialista técnica da GitLab observa: “Fiquei muito nervosa quando tive de participar de uma reunião pela primeira vez, porque eu era muito sociável no escritório. Eu temia me sentir muito sozinha em casa sem aquela sensação de comunidade”. Houda Elyazgi, executiva de marketing da equipe da Tulse Remote, expressou sentimentos similares: “O trabalho remoto pode ser muito isolador, principalmente para os introvertidos. Você quase precisa criar uma experiência intencional quando está socializando com os outros. E então você precisa estar “ligada” o tempo todo, mesmo quando tenta relaxar, e isso é desgastante”.

Na minha pesquisa, observei uma série de políticas que procuram abordar essas questões e criar oportunidade de socialização e de difusão de normas da empresa. Muitas organizações do WFA dependem de tecnologia para criar o “local do cafezinho virtual” e “interações aleatórias planejadas”, nas quais uma pessoa da empresa organiza grupos de funcionários para conversar online. Alguns utilizam IA e ferramentas de realidade virtual para formar duplas de colegas remotos para bate-papos semanais. A Sike Insights, por exemplo, está usando dados sobre estilos de comunicação individual e IA para criar colegas no Slackbot, enquanto a eXp Realty, empresa completamente remota que pesquiso atualmente, utiliza uma plataforma de realidade virtual chamada VirBELA para criar um local onde membros de equipes distantes podem se reunir na forma de avatar.

Sid Sijbrandij, cofundador e CEO da GitLab, observou: “Soube que na Pixar os toaletes foram colocados em local central do escritório para que as pessoas esbarrassem umas nas outras — mas por que depender da aleatoriedade para isso? Por que não evoluir um pouco mais e organizar uma comunicação informal?”. Esses “misturadores” geralmente incluem executivos seniores e diretores. Quando os descrevi à minha colega da HBS Christina Wallace, ela lhes deu um ótimo nome: colisões da comunidade. E as empresas sempre precisaram fabricá-las: pesquisas da década de 1970 realizadas por Christina Wallace, do MIT, mostram que os funcionários alocados no mesmo campi podem não vivenciar interações casuais se estiverem separados por uma parede, um teto ou um prédio.

Quando se trata de interação entre pessoas de diferentes níveis hierárquicos, minha pesquisa revelou dois problemas com soluções imediatas. Iavor Bojinov, Ashesh Rambachan e eu descobrimos que os líderes seniores de uma empresa global sofriam muita pressão para dar orientação individual a funcionários virtuais. Por isso, implementamos um processo de P&R pelo qual os funcionários faziam perguntas por meio de uma enquete e os líderes respondiam quando podiam. Os gestores seniores de outra empresa global relataram que tinham dificuldade em ser eles mesmos diante da câmera. Enquanto funcionários remotos jovens “viviam a vida no Instagram”, para seus colegas mais velhos era difícil obter engajamento virtual. A empresa implementou sessões de coaching para deixar esses executivos mais à vontade no Microsoft Teams.

Outra solução para o problema da socialização é promover viagens curtas de confraternização de todos os funcionários. Antes da covid-19, a Zapier sediou duas no mesmo ano: pagou-lhes viagem, acomodação e alimentação, além de lhes dar verba para atividades e US$ 50 para comprar presentes para seus entes queridos. Carly Moulton, o especialista em comunicação sênior da empresa revelou: “Pessoalmente, fiz várias amizades no trajeto do aeroporto (ida e volta). Os gestores de eventos nos colocavam em grupos aleatórios dependendo da hora em que você chega ou parte. Eu sempre estive com pessoas com quem normalmente não trabalhava, por isso é bom reservar um tempo para quando você precisa puxar conversa”.

Finalmente, na USPTO descobri outra forma de camaradagem. Vários analistas do WFA criaram voluntariamente “comunidades remotas” de modo que vários deles podiam se reunir periodicamente. Um grupo que vivia na Carolina do Norte, por exemplo, decidiu programar reuniões num campo de golfe para socializar, discutir o trabalho e resolver problemas juntos. Outro gestor criou uma “refeição virtual” pedindo pizzas a ser entregues na casa de todos os seus subordinados remotos durante uma reunião semanal da equipe.

Avaliação de desempenho e remuneração. Como você classifica e avalia um funcionário com quem nunca esteve fisicamente segundo métricas subjetivas, mas importantes como habilidades interpessoais? Empresas totalmente remotas avaliam seus funcionários de acordo com a qualidade do trabalho propriamente dito, das interações virtuais e do feedback de clientes e colegas. A Zapier, por exemplo, utiliza a Help Scout para responder no serviço de atendimento ao consumidor. Um aspecto desse software é que os consumidores podem enviar uma “pontuação de felicidade” classificando as respostas como “ótimo”, “ok”, ou “ruim”.

Sobre a arte: Sejkko cresceu entre Portugal e Venezuela. Suas fotografias retratam as residências tradicionais de Portugal mas também transmitem vibrações tropicais e nostalgia. Às vezes, elas aparentam perdidas ou fora de lugar; em outros momentos, parecem acolhedoras e contidas. | Sejkko

No primeiro semestre de 2020, à medida que os grupos de repente começaram a mudar para o trabalho remoto, perguntaram-me se os gestores deveriam utilizar softwares para acompanhar a produtividade dos funcionários e evitar escapadas. Eu me oponho enfaticamente a esse tipo de controle orwelliano. A USPTO respondeu a acusações de “fraude de examinadores” e “abuso de participação” em seu programa de WFA após revisão pelo Escritório do Inspetor Geral do Departamento de Comércio dos EUA. As acusações envolviam excesso de notificações de horas trabalhadas ou mudanças nos registros de tempo de trabalho completado, como carga de retorno no fim de um trimestre civil — nenhuma delas relacionada à métrica de avaliação de desempenho: o número de patentes analisadas. No entanto, daí em diante, todos os funcionários remotos da USPTO tiveram de utilizar uma ferramenta organizacional de TI, como login em rede privada virtual (VPN) com indicador de presença ligado, e uso dos mesmos serviços de mensagem. Mas quando comparamos dados anteriores e posteriores a essa intervenção, descobrimos que ela não teve efeito no output médio.

Como definir a remuneração dos funcionários residentes nos mais diversos lugares é assunto de debates vigorosos e interessantes. Como foi mencionado, é uma grande vantagem morar em local com custo de vida mais baixo e receber o mesmo salário que seria oferecido em lugar mais caro.

Mas a decisão de não ajustar salários de acordo com o local de residência do funcionário é da empresa. Este foi o caso da USPTO. Matt Mullenweg, fundador de outra empresa totalmente remota, a Automattic (afiliada da WordPress), revelou que sua política é pagar aos funcionários os mesmos salários para as mesmas funções, independentemente do local onde trabalham. Mas a GitLab e outras companhias adotam diferentes sistemas de remuneração em diferentes locais, dependendo da experiência do funcionário, do tipo de contrato e da tarefa executada. Embora ainda sejam necessárias novas pesquisas para saber qual é a melhor abordagem, é possível que as empresas que vinculam os salários ao local de trabalho percam funcionários talentosos do WFA para as concorrentes que não utilizam esse sistema. Outra questão pertinente é saber se a remuneração dos funcionários em regime de WFA deve ser na moeda do país onde fica a sede da organização ou em moeda local, dadas as flutuações nas taxas de câmbio.

Segurança de dados e regulamentação. Vários gestores relataram que a segurança cibernética era uma área que merecia grande atenção dos programas e organizações do WFA. Um gestor perguntou: “E se os funcionários do WFA fotografarem os dados dos clientes e enviarem as fotos para os concorrentes?”. Os CIOs de empresas com políticas de trabalho remoto comentaram que outra preocupação importante era o uso de dispositivos pessoais menos protegidos dos funcionários que trabalham em casa.

É verdade que as empresas totalmente remotas precisam ser mais enérgicas na proteção de seus dados corporativos, dos funcionários e dos clientes. Enquanto a TCS fazia a transição para um modelo majoritariamente remoto, ela mudou da chamada “segurança baseada em perímetro” (na qual as equipes de TI tentam garantir a segurança de todos os dispositivos) para a “segurança baseada em transação” (na qual logaritmos de aprendizado de máquina analisam qualquer atividade anormal em qualquer laptop de funcionário). A MobSquad replicou em suas instalações a infraestrutura de segurança do cliente para os funcionários do WFA e funcionários que trabalham na nuvem, além de emails e hardware do cliente, por motivos de segurança. As organizações total ou majoritariamente remotas que analisei estão testando uma série de soluções para proteger os dados do cliente utilizando análise de dados preditiva, visualização de dados e visão de computador.

Transitar para uma organização total ou majoritariamente remota requer também por vezes vencer obstáculos reguladores. No início da pandemia, quando a TCS foi forçada a se tornar totalmente remota, ela precisou trabalhar diretamente com a NASSCOM (Associação Nacional de Software e Empresas de Serviços da Índia) e autoridades indianas para mudar as leis de um dia ao outro a fim de que o pessoal das centrais de atendimento pudesse trabalhar em casa. Outras leis tiveram de ser ajustadas para que os funcionários da TCS pudessem retirar laptops e outros equipamentos dos escritórios físicos localizados nas “zonas de economias especiais” da Índia. Irfhan Rawji, fundador e CEO da MobSquad, precisou trabalhar diretamente com o governo canadense para garantir que os migrantes econômicos escolhidos pela empresa para mudar para o Canadá recebessem permissão de trabalho rapidamente e fossem integrados em seu modelo. Qualquer organização totalmente remota que pense em contratar talentos globalmente precisa cumprir as leis trabalhistas locais relacionadas à contratação, remuneração, férias, aposentadoria e licença médica.

SUA ORGANIZAÇÃO CONCORDA COM ISSO?

Obviamente, algumas organizações talvez não possam adotar o WFA neste momento, como as do setor de manufatura — mas isso poderá mudar com os avanços da impressão 3-D, automação, gêmeos digitais e outras tecnologias. E com os processos organizacionais, estratégias, tecnologia e — o mais importante — liderança certas, há várias outras empresas, equipes e funções que podem se tornar completa ou majoritariamente remotas. Minha pesquisa em curso com Jan Bena e David Rowat sugere, por exemplo, que startups do setor do conhecimento, principalmente no setor de tecnologia, estão bem posicionadas para adotar o modelo WFA desde sua fundação. Veja o caso da completamente remota eXp Realty: descobrimos que imóveis, serviços públicos e outros custos gerais mais baratos podem significar alto valor de mercado para a empresa se e quando seus fundadores saem da startup.

Minhas pesquisas na USPTO e TCS indicam que grandes organizações consolidadas também podem mudar com sucesso para um regime híbrido ou majoritariamente remoto.

A questão não é se trabalhar em qualquer lugar é possível, mas o que é necessário para tornar isso realidade. A resposta curta: gestão. Um líder intermediário de uma organização completamente remota afirmou que “se todos os líderes seniores estiverem trabalhando no escritório, então os funcionários deveriam ser atraídos para lá para ter um tempo presencial”. Mas se os líderes apoiam comunicação, brainstorming e resolução de problemas, síncronos e assíncronos; lideram iniciativas para codificar o conhecimento online; encorajam a socialização virtual, formação de equipes e tutoria; investem e reforçam a segurança de dados; trabalham com stakeholders do governo para garantir o cumprimento da legislação; e dão exemplo tornando-se eles mesmos funcionários do WFA, as organizações completamente remotas podem realmente vir a ser o futuro do trabalho. 


Prithwiraj (RAJ) Choudhury é professor na Harvard Business School. Sua pesquisa é centrada no futuro do trabalho — principalmente em como as práticas do trabalho em qualquer lugar estão mudando sua geografia.


Conteúdo originalmente publicado na Revista Harvard Business Review – Novembro de 2020.

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