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2020 não é um ano perdido, poderá ser o ano da reconstrução da escola brasileira

Por Maria Inês Fini

Estimativa de leitura: 4min 15seg

26 de junho de 2020

2020 deveria ser o ano de implantação completa da proposta curricular da Educação Básica a partir da BNCC. As propostas, tal como formalizadas em 2019, sofreram uma abrupta interrupção em função do necessário isolamento advindo da pandemia. Escolas fechadas, ambientes culturais e esportivos sem acesso, com crianças e jovens em casa e as famílias tendo de reinventar outra dinâmica para o seu cotidiano.

Os professores, atores principais e facilitadores do desenvolvimento integral de seus alunos, mobilizaram-se para uma radical transformação de seu trabalho. Pesquisa recente informa que cerca de 80% das escolas estão conseguindo oferecer ensino remoto, embora com recursos auxiliares de tecnologia e comunicação muito diferentes, com impacto mais negativo entre os alunos mais vulneráveis, seja pela ausência de acesso à tecnologia, seja pela própria fragilidade de professores ou da própria escola, mas todos igualmente buscam levar o ensino remoto a seus alunos, valendo-se de adaptações contínuas de seus projetos originais de trabalho. Para a maioria das escolas e dos alunos, esses recursos inexistiam, além da total falta de formação dos professores para a nova modalidade de atuação. Para mantenedores, gestores e professores, a remodelação da oferta de ensino teve que ocorrer da sexta para a segunda-feira.

Para as famílias, também num desafio emergencial, as circunstâncias impuseram um papel de protagonismo numa cena de Educação formal, onde antes eram apenas coadjuvantes. Como tal, reorganizaram as rotinas da casa, e os pais, além de cuidarem de seus próprios trabalhos e do sustento da família, tiveram de zelar pelo equilíbrio emocional do grupo familiar, adaptando ambientes de aprendizagem em novos vínculos com a escola de seus filhos, agora no papel coadjuvante.

Novos papéis e novos desafios educacionais bravamente enfrentados pelas escolas e pelas famílias merecem apoio irrestrito de toda a sociedade.

Temos de potencializar os ganhos desse período e adaptar nossas burocracias e legislação para evidenciar as aprendizagens de alunos, professores e famílias.

Para tal, precisamos aprender a avaliar criteriosamente o desenvolvimento integral dos alunos nesse período, não só para valorizar o esforço de todos, mas para legitimar a escolaridade alcançada por cada um. Para fazer isso, podemos nos reportar às três categorias estruturais que organizam qualquer sistema de avaliação.

A primeira delas refere-se ao o que avaliar. Para isso, é fundamental que os professores registrem tudo o que ofereceram remotamente como atividades de ensino aos seus alunos, incluindo exercícios corrigidos ou não, em qualquer meio de comunicação, desde sofisticadas tecnologias, até material impresso. Em segundo lugar, é necessário estimar uma medida para esse esforço e, para tal, os professores devem se valer da proposta inicial de seu trabalho neste ano letivo, considerando também os trabalhos dos poucos dias de aula presenciais. Quanto da proposta inicial o professor considera que ensinou? O terceiro requisito é atribuir valor. Para isso, vamos precisar estabelecer uma demonstração (prova) para diagnosticar o que foi possível aprender e desenvolver por cada um dos alunos, sem nenhuma pretensão de atribuir notas. Certamente, isso só poderá ser realizado quando as salas de aula estiverem presencialmente constituídas, com as devidas condições sanitárias. E aqui também muito equilíbrio será necessário para criar essa avaliação diagnóstica (prova) para a reorganização do trabalho de cada turma de alunos. Vale aqui a reflexão sobre focalizar o que realmente será necessário em cada componente curricular para o prosseguimento das trajetórias de escolaridade de cada aluno nas séries seguintes.

Para avançar numa perspectiva mais moderna de avaliação, cada professor deveria pedir a cada família que faça uma avaliação do desenvolvimento de seus filhos, não em relação à habilidades acadêmicas, mas em relação às habilidades socioemocionais tão almejadas pela nova BNCC, tais como: resiliência, cooperação, solidariedade, criatividade, empatia, entre outros, num relato simples e voluntário para constar dos registros da escola.

Os diretores, de posse dos registros de todo esse trabalho, poderão propor aos respectivos Conselhos de Educação a devida equivalência às 800 horas letivas.

Com certeza, as valorosas experiências vividas por professores, pais e alunos representarão um marco significativo na história de suas vidas e da Educação brasileira.

Espero que as transformações que os professores tiveram de implementar em seu trabalho sejam incorporadas em suas novas propostas de atuação; que os gestores tenham a coragem de implantar uma proposta híbrida de ensino, ampliando as jornadas diárias com o apoio do ensino remoto; que a cultura de avaliação formativa possa auxiliar professores no ajuste de seu trabalho em cada turma; que os vínculos das famílias com as escolas sejam fortalecidos e que os alunos possam renovar sua alegria para os encontros com sua turma e seus professores brevemente no ambiente escolar.

Se soubermos aprender com ela, essa experiência transformará positivamente a Educação brasileira.

Maria Inês Fini

Doutora em Educação, pedagoga, professora e pesquisadora de Psicologia da Educação, Psicologia do Desenvolvimento e Social, especialista em Currículo e Avaliação. Foi fundadora da Faculdade de Educação da UNICAMP (1972-1996); Diretora de Avaliação para Certificação de Competências do INEP (1997-2002), período em que criou e coordenou o ENEM e o ENCCEJA, Presidente do INEP (2016-2019). Coordenou o desenvolvimento de Propostas Curriculares em instituições escolares e redes de ensino e desenvolveu sistemas de avaliação para Prefeituras, Secretarias Estaduais e Instituições de Ensino Superior. Membro do Conselho Científico da ABAVE, do Conselho Administrativo da ACERP TV Escola. Diretora pedagógica da EDUCARE e diretora de operações estratégicas da EFIGIE, onde realiza consultoria nas áreas de formação de professores, currículo, avaliação e internacionalização na Educação Básica e Superior.

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